Um olhar crítico para o mercado da Despigmentação a Laser no Brasil

O mercado da Micropigmentação cresceu e consequentemente houve um crescimento do número de trabalhos mal feitos ou com erros.

Foi por volta de 2012 que tomei uma decisão muito importante em minha vida profissional, cujas consequências certamente influenciariam todo um segmento ligado à Estética. A decisão era apresentar a técnica de laser para despigmentação ao mercado da micropigmentação, tatuagens e estética. Nesta época, duas outras profissões já atuavam indiretamente no segmento da Estética: a Fisioterapia e também a Biomedicina.

No final de 2010, a Biomedicina Estética começava a surgir e um pouco antes também a Fisioterapia Dermatofuncional. Havia pouca informação, e certa confusão sobre quem podia e quem não podia fazer procedimentos com laser.  E não havia um manual de como aplicar um laser sobre uma tatuagem. Eu voltei ao Brasil no início de 2007 e somente cinco anos depois, me senti seguro e preparado para lecionar laser. Criei uma estratégia de ensino postulando, sobretudo, a conduta ética de trabalho e a responsabilidade no uso dessa tecnologia. Eu sabia que o mercado iria devorar este conhecimento assim que eu pisasse no primeiro palco de um grande congresso de estética.

E isso aconteceu no Estetica In SP, em 2016. Ali foi plantada uma semente que hoje gerou muitos frutos. Felizmente, a maioria dos atuais profissionais de despigmentação a laser está conseguindo manter um padrão natural de atendimentos; mas ainda assim, há um número considerável de profissionais que insistem em agir com uma má conduta a fim de obter mais seguidores em redes sociais, notoriedade e, obviamente, encher a “sala de aula”.

Eu sentia uma mistura de expectativa e medo. Expectativa de sentir a vontade e desejo de muitos em apreender uma tecnologia maravilhosa; medo por sentir que num determinado momento tudo aquilo poderia sair do controle e sabe-se lá qual conduta seria a predominante.

Eu me sinto muito a vontade para escrever este artigo pelo fato de ter consciência absoluta de que fui o pioneiro na introdução do laser neste mercado. Acredito ter propriedade para falar e dar o puxão de orelha devido. E apesar de tudo, ainda sou uma pessoa que acredita na resiliência humana – aquela capacidade de se sobrepor e construir-se positivamente perante as adversidades. Eu lembro quando comecei a escrever a minha primeira palestra, citei uma frase de Aristóteles (importante filósofo da Grécia Antiga e um dos pensadores mais influentes da história da civilização ocidental): “Nosso caráter é o resultado de nossa conduta”. E eu queria um mercado saudável para a despigmentação laser.  Ocorre que paralelamente ao crescimento deste segmento, cresceram também as novas opções publicitárias. Novas redes sociais e maior rapidez na difusão da informação, frutos de uma globalização irrefreável e inevitável, tornaram o mercado mais disputado e agressivo. Dezenas de alunos – outrora leigos – tornaram-se “Especialistas em despigmentação a laser” da noite para o dia.

A verdade é que muitos ex-alunos começaram a se autoproclamar “professores de laser” – um tema tão complexo e que necessita de profundo conhecimento de outras matérias, como física, química, biologia etc. É difícil que essas pessoas tenham capacidade de gerar conteúdo científico a ponto de redigir seus próprios materiais didáticos. Esses novos “mestres” acabam por copiar material de ensino (apostilas e audiovisual), plageando em vez de redigir. É impressionante como no Brasil há certo vício profissional para confundir “boa prática clínica” com capacidade de ensinar.

Quando me deparo com esses novos alunos dando curso de laser, muitos questionamentos surgem em minha mente: Essa pessoa sabe o que é Fotônica? Domina outras áreas coirmãs do laser, como física, química, biologia, fisiologia, citologia etc.? Quantos livros sobre laser já leu ou tem em sua estante? Quantos artigos científicos ela já estudou? Quantos anos de experiência ela acumulou? De quantos congressos sobre o tema já participou? Quais outros tipos de laser ela já operou?  Conhece algumas Leis de Fotobiologia?  Sabe ao menos interpretar um gráfico de coeficiente de absorção?  Saberia explicar conceitos pertinentes à física do laser?  Talvez esses pseudoprofessores não achem isso importante. Mas, acredite: ensinar sobre o uso de laser apenas repetindo  aquilo que aprendeu, e ignorar tais conceitos, é a mesma coisa que um estudante de Medicina querer aprender a fazer uma cirurgia sem compreender a anatomia humana. Laser não é apenas uma luzinha! Trabalhar com a pele humana é uma responsabilidade. Ensinar um leigo a trabalhar com laser é uma responsabilidade ainda maior.

E nesse sentido o mercado começou a ser disputado pelo braço do Marketing. E o que faz o Marketing ser do bem ou do mal depende da forma de condução. Eu não sou contra o Marketing, mas abomino quem ultrapassa limites éticos para promover-se – há uma linha tênue entre o Marketing e o oportunismo.

E para não ser enquadrado neste último há de se ter ética. Algumas pessoas ainda olham para o Marketing como ação publicitária que promove alguma mentira para convencer algum público. E essa má imagem acontece porque ainda há muitos profissionais que usam desta tática. Alguns, por exemplo, sentem necessidade de aumentar os anos de experiência na área. Outros, de aumentar o número de pacientes atendidos apresentando dados absurdos. Uma vez, uma ex-aluna postou que tinha mais de 10 mil pacientes atendidos. Achei estranho e pensei que talvez ela estivesse referindo ao número de sessões. Porém, lembrei que ela tinha apenas três anos trabalhando com laser. Ou seja, para que isso fosse realmente verdade, ela teria que ter trabalhado atendendo 10 pessoas por dia, de domingo a domingo, sem parar ao longo de três anos. O Marketing quer sempre contar uma história e o oportunista também. Na Em comunicação e branding há uma característica do Marketing que é contar a história de uma marca. Chamam a isso de “Storytelling”.  Afinal, toda marca tem uma história para contar. E o ideal seria contar uma história verdadeira. O problema é que quase sempre o verdadeiro não vende.

Muitas marcas, e principalmente muitos profissionais do laser, criaram e continuam criando histórias falsas, tanto na criação da sua marca quanto na sua forma de vender seus serviços aos clientes. E será que compensa construir uma história para sua marca ou para seu nome usando informações falsas?

Mario Sergio Cortella, professor, escritor e filósofo, disse em uma de suas palestras: “Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: Eu quero? Eu devo? Eu posso? Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e o que você deve”.

O momento é de reflexão. O que irá diferenciar os profissionais num futuro próximo não será a melhor tecnologia ou clínica mais bonita, mas sim a atitude ética e conduta profissional responsável. Um marketing pode ser positivo e benéfico quando o utilizamos para inspirar confiança, agindo de forma transparente e cumprindo aquilo que se promete comercialmente. E em nosso segmento o “prometer ao cliente” também deve ser revisto e ponderado. O seu marketing não pode ignorar as diretrizes do próprio tratamento oferecido. Quem trabalha com laser sabe (ou deveria saber) que estamos falando sobre um tipo de tratamento que está diretamente condicionado à resposta imunológica individual de cada pessoa. O nosso organismo e o seu tempo de resposta imunológica, assim como o processo cicatricial, não é um software que responde de forma sistemática e previsível. Somos seres humanos e respondemos mediante a um conjunto de circunstâncias. É um absurdo prometer ao cliente que sua tatuagem ou micropigmentação “sairá” em X sessões. Bem como “prometer” que a tinta de uma tatuagem será 100% removida… Ou que o laser que utiliza pode remover todas as cores etc. Eu sempre falo para os meus pacientes: “O laser não é uma máquina do tempo!”

Ainda nessa temática de cobiça, acabo também por me deparar com outra atitude muito decepcionante: a atitude de mercado com a concorrência. Alguns profissionais perdem o bom senso e na sua pretensão de atrair a atenção dos consumidores, acabam por agir de forma agressiva com os outros profissionais. Difamam  por meio de “fakenews”, criam falsos perfis apenas para “stalkear” o concorrente, algumas vezes caluniando em plena live… Esses profissionais oportunistas ainda não perceberam que apresentar publicamente um tom respeitoso em relação à concorrência é algo percebido pelos próprios clientes e seguidores como algo bom. Um bom mercado é quando nossa marca (ou empresa) tem concorrentes saudáveis e não tóxicos. Não perca seu tempo e energia procurando difamar seu concorrente; ao contrário: procure estudá-lo e observar quais são os pontos negativos que ele tem e assim procurar suprir o mercado com tal deficiência. E obviamente enalteça os seus pontos positivos, sem agredir a concorrência.

O bom marketing difere do oportunista quando estabelecemos uma boa relação entre marca/consumidor edificado com base na perspetiva do cliente. Devemos considerar, sobretudo, o que o cliente valoriza, deseja e precisa. E com a minha experiência, o que aprendi é que: o que os muitos clientes valorizam – infelizmente – é o status, a aparência e o refinamento. Mas também valorizam um bom atendimento antes, durante e depois do procedimento. O que o cliente deseja é ter seu problema resolvido “pra ontem” e de preferência pagando pouco. Mas o cliente também gosta de estar numa sala de espera limpa, cheirosa, bem decorada, com ar-condicionado, bom wi-fi, cafezinho e poltrona confortável. Também gosta de uma sala de de atendimento sofisticada, cheia de aparelhos. Mas o que o cliente realmente precisa é achar um profissional ético e responsável, que lhe dê a devida atenção, que execute um tratamento correto e seguro. E que mesmo após ela sair da clínica, mantenha contato para saber como está sendo o seu pós-tratamento. Todo cliente precisa de um profissional competente, preparado para lidar com situações complicadas, pois intercorrências acontecem… ele quer se sentir seguro nas mãos de um profissional capacitado para atuar com os imprevistos.

Não pense que ser ético resume-se a cumprir apenas aquilo que você prometeu. Exemplo: seu cliente pagou para um tratamento e você o concluiu removendo o pigmento. De que adianta isso se você deixou marcas na pele dele (alguma discromia ou cicatriz)? Será que você deixou para seu cliente alguma impressão positiva do ponto de vista humano? Você será lembrado apenas por ter resolvido o problema ou por ir além? 

Não se iluda! Os clientes estão atentos a como são tratados pelos profissionais. Portanto, cuidado com aquilo que irás prometer e com a maneira de tratá-los. Há uma nova geração de clientes que são “consumidores investigativos”, que vasculham sua vida antes de fechar um tratamento. E há também aqueles considerados socialmente responsáveis. Portanto não basta só a ética; há de se ter também comportamento de Biossegurança. De que adianta ser ético, ter todas as boas qualidades e na hora do atendimento não usar uma luva adequadamente? Não realizar uma assepsia do material e/ou uma antissepsia da pele corretamente?   Dias atrás, vi um post laser sem luvas e sem óculos de proteção. E o pior: o cliente também estava sem óculos! Você leitor acha mesmo que isso é uma atitude responsável? Será que esse tipo de profissional entende realmente os efeitos de uma radiação? Será que ele realmente respeita o seu cliente?  Atitudes assim apenas colaboram para o crescimento de má imagem e má reputação dos profissionais não-médicos. Seja ético! Seja responsável! Pondere um marketing positivo. Não coloque em risco sua reputação em troca de popularidade. Seguidores podem ser comprados, mas uma história verdadeira não. Este tema é propício para um livro… mas por hoje é só o que tenho para contar. André Borring @andre.borring é biotecnólogo especializado em Ciências Fotônicas; Mestre em Laser pela European Medical Laser Association; Fundador da European Laser School; CEO da WB Laser Technology de Portugal; criador do Laser Ladybug – popularmente conhecido como Laser Joaninha (o 1º laser de despigmentação idealizado para micropigmentadores); criador da tecnologia Ti.LASER – uma tiara de Laser de baixa intensidade também projetada para a micropigmentação; e Estrela de Prata na categoria que premiou o melhor Educador da Área de Micropigmentação no Estetica Business Awards 2022.

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