As consequências do estresse crônico a longo prazo na pele, com o aparecimento de acne, dermatite, rosácea, psoríase, eczema, manchas e envelhecimento precoce, entre outras alterações, mostrou a importância de ampliar o olhar para essa condição do paciente durante a anamnese e refletir sobre as formas de controlar a inflamação, os radicais livres, os danos à barreira de proteção cutânea e a renovação da energia celular. Vem saber mais
Shâmia Salem (@shamiasalem)
Quando a guerra entre Rússia e Ucrânia completou 40 dias, viralizou nas mídias sociais um vídeo mostrando a mudança, dia a dia, na aparência do presidente ucraniano Volodimir Zelenski. O efeito do estresse e do esgotamento mental e físico foram aparecendo sob a forma de olheiras cada vez mais escuras e profundas, opacidade, rugas estáticas, flacidez, sensação de o rosto estar derretendo e um grau de envelhecimento bastante avançado para um homem de apenas 44 anos de idade. Considerando as devidas proporções, o estresse gerado pela pandemia imprimiu efeitos semelhantes no rosto de muita gente. E, passados mais de dois anos do início desse caos mundial, que ainda não tem data para acabar, o entendimento sobe o impacto do estresse crônico na pele por longos períodos foi atualizado, e com ele veio a necessidade de repensar o modo de olhar, combater e controlar seus efeitos na beleza e saúde da pele.
Essa reflexão foi feita pela farmacêutica e bioquímica especialista em dermatocosmética Fernanda Chauvin, de São Paulo, CEO da Ellementti Dermocosméticos, que compilou seus achados no e-book Mapeando a fadiga cutânea. “Assim como acontece no restante do organismo, a pele também tem uma curva de estresse. E ela começa com uma aparência cansada, acinzentada, áspera e opaca, além de olheiras e edema devido ao aumento dos radicais livres, à perda de água transepidérmica, diminuição da energia celular e alteração no ciclo de renovação celular. Sem tratamento e dependendo da intensidade de estresse a que é submetida, essa pele evolui para um nível de fadiga em que os sinais de envelhecimento precoce ficam mais evidentes, ela torna-se amarelada, mais sensível, inflamada, suscetível à oleosidade, ao aparecimento de acne, ao aumento da glicação e diminuição do processo de regeneração e cicatrização. A partir daí, a próxima etapa é o colapso, o esgotamento, marcado pela inflamação crônica, irritação, coloração avermelhada, queda da imunidade, mudança na microbiota e aumento da resposta do melanócito, o que leva ao melasma”, resume Fernanda Chauvin.
Segundo a farmacêutica, tudo isso está relacionado, sim, ao aumento do cortisol. Mas, também há a influência de fatores externos, como radiação solar, poluição, tabagismo, uso de certos medicamentos, alimentação, atividade física, alterações hormonais e mudanças na temperatura ambiental. “Isso exige um olhar ampliado do profissional durante a anamnese bem como a necessidade de esclarecer e conscientizar o paciente sobre seu papel no combate aos efeitos do estresse da pele. Isso inclui se exercitar, se alimentar com equilíbrio, respeitar as horas de sono, realizar atividades prazerosas, meditação ou qualquer outra prática que relaxe a mente para potencializar o resultado dos protocolos realizados na clínica e com o skincare”, reforça a esteticista Gleyde Lopes, de São Paulo.
Emoções à flor da pele, literalmente
Já é sabido que pele e sistema nervoso estão diretamente ligados. E as emoções também, o que explica porque a ansiedade e o medo, por exemplo, são capazes de aumentar a transpiração, arrepiar, ruborizar o rosto. Mas nada é tão simples que não possa se complicar. Isso porque o sistema nervoso se divide entre simpático, que nos prepara para a ação, como fugir diante do perigo; e parassimpático, responsável por nos fazer relaxar. Porém, em tempos de estresse intenso, como este da pandemia, o sistema parassimpático passa a ficar em estado de alerta, as emoções se desequilibram e isso se reflete no funcionamento da pele. “De maneira geral, o estresse potencializa um estado de inflamação crônica que compromete a barreira de proteção cutânea, deixando a pele suscetível à ação de micro-organismos e substâncias nocivas que interferem na ação das células imunológicas e endoteliais, que alinham os vasos sanguíneos, o que fatalmente vai prejudicar a circulação de nutrientes e de oxigênio. Outras consequências são a diminuição da secreção de ácido hialurônico, a perda da água, da elasticidade e da firmeza, que desestruturam a pele a ponto de deixá-la envelhecida, manchada, flácida, descamando, vermelha e sensível a poluição, produtos e até ao toque”, lista a farmacêutica Patrícia França, gerente científica da Biotec Dermocosméticos, em Campinas (SP).
Concorda com ela a dermatologista Paola Pomerantzeff, de São Paulo, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, que lembra: “Não podemos ignorar que a fadiga provocada pelo cortisol ainda desencadeia o desejo por alimentos processados, ricos em carboidratos e açúcares, que causam a glicação. Ou seja, uma molécula de glicose se une à uma de proteína, como colágeno e elastina, desestabilizando-a e fazendo com que ela quebre. Uma ação tão danosa quanto a dos radicais livres e que acelera a formação de rugas e a perda de elasticidade e tônus cutâneo”.
Contra-ataque bem direcionado
Fernanda Chauvin defende que é preciso repensar os tratamentos diante deste “novo mundo” de pacientes tão estressadas. “Por vezes, o nível de inflamação está tão crítico que o próprio cuidado pode intensificar a disfunção. Imagine, por exemplo, o que acontece ao aplicar um tradicional peeling clareador em uma pessoa que está com o cortisol nas alturas. A inflamação que a gente espera do procedimento poderá reagir de maneira exacerbada naquela pele que está muito inflamada, a ponto de fazê-la arder, o que aumentaria ainda mais o cortisol, estimulando o melanócito que já está hiperestimulado a liberar ainda mais pigmentos, piorando, assim, o estado das manchas”, descreve ela, que reforça a importância de redobrar a atenção durante a anamnese e refletir sobre a necessidade de usar produtos moduladores da inflamação.
A esteticista Gleyde Lopes aposta ainda no fortalecimento a barreira cutânea, já que o estado inflamatório também aumenta a perda de água transepidérmica. “Ativos anti-inflamatórios, calmantes, antioxidantes, regeneradores e hidratantes ajudam a recuperar a imunidade da pele e diminuir a geração de radicais livres”, diz ela, lembrando que esse processo de acalmar a pele leva entre dois e três meses, o que justifica a necessidade de fazer um skincare também com esse foco. “Mesmo com todos esses cuidados, é preciso atentar à necessidade de, dependendo do caso, recomendar que a paciente também consulte um dermatologista, que pode prescrever um antibiótico se a inflamação estiver muito intensa”, destaca.