O Conselho Federal de Medicina (CFM) solicitou à Anvisa a proibição do polimetilmetacrilato (PMMA) em procedimentos estéticos devido aos riscos significativos associados à substância. Leia a reportagem abaixo e entenda os motivos pelos quais todo o cuidado é pouco
Karina Hollo @karinahollo
A decisão vem em meio às discussões sobre exageros no uso de preenchedores, muitas vezes com substâncias não aprovadas ou utilizadas em excesso. Casos como o da influenciadora Gracyanne Barbosa, que recentemente optou por reverter procedimentos antes de entrar no BBB25, ilustram a importância de escolher tratamentos com responsabilidade e equilíbrio. O mercado de preenchimentos tem registrado aumento na busca por resultados marcantes e imediatos, mas muitas vezes ultrapassa os limites seguros. Quando o preenchimento é feito com substâncias permanentes, como o PMMA, a reversão se torna quase impossível, ampliando os riscos para a saúde e a estética.
Em janeiro de 2025, o Conselho Federal de Medicina (CFM) solicitou à Anvisa a proibição do uso do PMMA como preenchimento estético, destacando os riscos e o uso indiscriminado. “Portanto, embora o PMMA tenha aplicações médicas legítimas, seu uso na estética deve ser evitado, conforme recomendações oficiais”, esclarece Elizabeth Senra, dermatologista e membro da SBD-RESP (Sociedade Brasileira de Dermatologia-Regional SP).
Trocando em miúdos, apesar de ter sido usado por tanto tempo como uma alternativa estética, descobriu-se que é maléfico à saúde. “O PMMA foi, durante algum tempo, utilizado como uma opção de preenchimento estético por ser de baixo custo e oferecer um efeito duradouro. No entanto, com o avanço da medicina estética e o acúmulo de estudos clínicos ao longo dos anos, ficou evidente que, apesar de inicialmente parecer seguro, o uso do PMMA estava associado a complicações graves e de difícil manejo, muitas vezes tardias e imprevisíveis”, conta Elizabeth. “Por muitos anos, o PMMA foi visto como uma alternativa justamente por ser permanente. Muita gente usou, e ele acabou ficando bem popular nos procedimentos estéticos”, acrescenta Gabriela Vargas Fisioterapeuta Dermatofuncional, de São Paulo.
Com o tempo, passou-se a entender que os riscos superavam os benefícios — especialmente em aplicações estéticas. “Casos de granulomas, inflamações crônicas, migração do produto, sarcoidose e até insuficiência renal vêm sendo amplamente relatados em publicações científicas recentes”, continua ela.
Esse entendimento levou à evolução das condutas médicas, sempre em busca de tratamentos mais seguros, reversíveis e alinhados à saúde a longo prazo do paciente. Hoje, os médicos não utilizam mais o PMMA como preenchedor estético. O próprio CFM, junto à SBD e à SBCP, desaconselha fortemente seu uso com fins estéticos e, em 2025, solicitou à Anvisa sua proibição definitiva para esse fim. A SBD inclusive divulgou uma nota a respeito: “A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) manifesta seu apoio ao Conselho Federal de Medicina (CFM) na solicitação formal enviada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio do Ofício nº 313/2025, visando à suspensão imediata da produção e comercialização de preenchedores à base de polimetilmetacrilato (PMMA) no Brasil. Essa medida é respaldada por evidências científicas robustas e pela crescente incidência de complicações graves relacionadas ao uso do PMMA. Entre essas complicações, destacam-se reações inflamatórias granulomatosas, que podem manifestar-se anos após a aplicação, frequentemente exigindo intervenções cirúrgicas complexas e potencialmente mutilantes. Além disso, o uso de grandes volumes desse material tem sido associado a condições como hipercalcemia e lesões renais, que, em casos mais graves, podem evoluir para insuficiência renal. É importante ressaltar que procedimentos estéticos invasivos exigem uma avaliação criteriosa do paciente e devem ser realizados exclusivamente por profissionais médicos qualificados. Tais intervenções devem ocorrer em locais adequados, como consultórios médicos, clínicas e hospitais, que atendam às normas de biossegurança, garantindo a proteção e o bem-estar dos pacientes. A Sociedade Brasileira de Dermatologia reafirma seu compromisso com a saúde e segurança da população e seguirá vigilante frente a essa questão de relevância para a saúde pública.”
Principais riscos do uso de substâncias permanentes como o PMMA
O uso de preenchedores permanentes como o PMMA está associado a uma ampla gama de complicações, que podem surgir anos após a aplicação. “O principal risco está justamente na permanência da substância no organismo, o que impede reversão simples em caso de reação adversa”, observa Elizabeth.
Estudos recentes destacam complicações como: granulomas e inflamações crônicas (em mais de 60% dos casos relatados), edemas persistentes, dor, migração do produto, reações autoimunes como sarcoidose cutânea e sistêmica, além de hipercalcemia grave com lesão renal. “O uso do PMMA pode causar edemas locais, processos inflamatórios, telangiectasias, infecções, cicatrizes hipertróficas, reações alérgicas, necrose do tecido, embolias graves, formação de granuloma, dentre outros. Estas reações podem ser imediatas ou tardias. E, mesmo sendo aplicado por médico, elas podem ocorrer, na maioria das vezes, meses ou anos após a injeção”, alerta Larissa Oliveira, dermatologista da Onne Clinic, no Rio de Janeiro. Em muitos casos, a remoção completa é inviável e as sequelas podem ser permanentes. “Como é uma substância que o corpo não absorve, qualquer complicação pode ser muito difícil de tratar, e os sintomas podem aparecer anos depois da aplicação”, alerta Gabriela.
Por isso, as sociedades médicas recomendam que o uso do PMMA na estética seja abandonado, priorizando produtos reabsorvíveis e reversíveis.
Como é feito o tratamento de complicações relacionadas ao PMMA
O tratamento das complicações causadas pelo PMMA é muitas vezes complexo e prolongado, exigindo abordagem personalizada, criteriosa e, acima de tudo, médica. Diferente dos preenchedores temporários, o PMMA não pode ser dissolvido, o que limita as opções terapêuticas. “As estratégias incluem: corticosteroides (como triancinolona e prednisona), antibióticos, imunomoduladores (como metotrexato ou tofacitinibe), cirurgia para remoção parcial e, em alguns casos, uso de laser. Cada abordagem depende do tipo de complicação: se inflamatória, infecciosa, autoimune ou mecânica”, fala Elizabeth.
As complicações do PMMA são tratadas de acordo com a ordem de gravidade, que podem incluir desde o uso de forças anti-inflamatórias até mesmo a remoção cirúrgica do material que não é absorvido pelo organismo e não tem antídoto disponível para sua remoção. “O PMMA se adere a estruturas profundas como músculos e ossos e também as estruturas superficiais, o que torna a sua remoção quase impossível sua remoção. As cirurgias para retirada sempre causam danos aos tecidos próximos e deformidades aos pacientes”, relata Larissa.
Mais do que tratar uma intercorrência estética, o médico é essencial para conduzir o caso com conhecimento técnico e empatia. Muitas dessas complicações geram sequelas físicas e impacto psicológico importante, exigindo acolhimento, orientação contínua e, em alguns casos, suporte psicológico.
Alternativas temporárias para preenchimentos estéticos
As melhores alternativas ao PMMA são os preenchedores temporários e os bioestimuladores reabsorvíveis. Eles oferecem segurança, previsibilidade e resultados naturais, adaptáveis ao envelhecimento facial. As principais opções são: ácido hialurônico, seguro, versátil e reversível (duração de 6 a 18 meses); hidroxiapatita de cálcio: promove preenchimento e bioestimulação (duração de 12 a 24 meses); ácido Poli-L-Láctico, indicado para melhora da flacidez e estímulo de colágeno (duração de até 2 anos); fios de sustentação, que promovem efeito lifting e colágeno com duração média de 6 meses. “O melhor resultado é aquele que rejuvenesce com naturalidade, respeita a identidade facial e realça a beleza individual, sem exageros”, opina Elizabeth. “A alternativa mais segura e recomendada é aplicada com ácido hialurônico, que é absorvível pelo corpo e tem baixo risco de complicações. Além disso, ele permite ajustes e retoques com segurança, e caso a pessoa não goste do resultado, existe uma enzima (hialuronidase) que pode reverter o efeito”, diz Gabriela.
A medicina estética deve ser exercida com responsabilidade, ética e ciência. O cuidado com a saúde e a imagem do paciente precisam estar sempre em primeiro lugar.
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A história do PMMA
O polimetilmetacrilato (PMMA) é um polímero sintético desenvolvido na década de 1930, inicialmente utilizado em aplicações industriais e médicas devido à sua transparência e resistência. “Durante a Segunda Guerra Mundial, foi empregado para reparar defeitos cranianos. Nos anos 1950, passou a ser usado como cimento ósseo em cirurgias ortopédicas e, na década de 1970, na fabricação de lentes intraoculares”, conta Elizabeth Senra, dermatologista e membro da SBD-RESP (Sociedade Brasileira de Dermatologia-Regional SP). Na área estética, começou a ser explorado nos anos 1990 para preenchimentos faciais e corporais, especialmente em casos de lipoatrofia facial associada ao HIV/AIDS. “Há mais de 10 anos o CFM recomendava que a substância fosse utilizada apenas por médicos, em pequenas doses e com restrições, pois em grandes volumes seu uso é inseguro e imprevisível, podendo causar reações incuráveis e definitivas’”, fala a dermatologista Larissa Oliveira, da Onne Clinic, no Rio de Janeiro. “A Anvisa só permite que médicos realizem procedimentos com a substância – o que não acontece – e a bula do produto não traz indicação para aplicação de grandes quantidades e no glúteo, por exemplo, como também tem acontecido com frequência”, acrescenta ela.
No Brasil, a Anvisa aprovou seu uso apenas para correções específicas, como sequelas de doenças e lipodistrofias. A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) não recomendam o uso do PMMA com finalidade estética devido à alta incidência de complicações graves.
FRASES
“Embora o PMMA tenha aplicações médicas legítimas, seu uso na estética deve ser evitado, conforme recomendações oficiais”
Elizabeth Senra, dermatologista e membro da SBD-RESP (Sociedade Brasileira de Dermatologia-Regional SP)
“O uso do PMMA pode causar edemas locais, processos inflamatórios, telangiectasias, infecções, cicatrizes hipertróficas, reações alérgicas, embolias graves, formação de granuloma, dentre outros. Estas reações podem ser imediatas ou tardias. E, mesmo sendo aplicado por médico, elas podem ocorrer, na maioria das vezes, meses ou anos após a injeção” Larissa Oliveira, dermatologista da Onne Clinic, no Rio de Janeiro