Os avanços na medicina e na prevenção permitiram que o brasileiro não só vivesse mais, mas que também despertasse para a ideia de que viver mais só vale a pena se for para viver melhor. Com isso, a saúde passou a ser rotulada como a nova riqueza e o bem-estar ganhou status de estilo de vida. E é exatamente nesse ponto que a estética embarca, e traz junto novas demandas por serviços e o aumento do interesse por profissionais mais alinhados com esse negócio chamado wellness; entenda como se destacar nesse mercado tão promissor
Shâmia Salem
Hoje, todo brasileiro nasce com a chance de assoprar 76 velinhas, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E de pensar que em 1940 sortudo era aquele que conseguia comemorar os 45 anos de idade… Esse salto na existência seria perfeito se o avanço em saúde física também tivesse acontecido na saúde mental. Só que não. Especialmente por causa do ritmo acelerado e da conexão em tempo integral, as pessoas estão cada vez mais cansadas, estressadas, ansiosas e deprimidas. O lado bom é que elas têm plena noção disso e, para reverter esse estado, têm buscado maneiras de ter uma vida mais saudável e equilibrada – e isso pode ser encarado como uma ótima oportunidade para quem atua no setor de beleza e bem-estar.
Atenta a esse movimento, a indústria cosmética, por exemplo, criou produtos com uma tecnologia que promete potencializar a atividade celular e ajudar na produção de energia da pele. E, prova de que isso não é só uma modinha, é que eles responderam por 12% do total de lançamentos globais entre janeiro e outubro de 2015, segundo um levantamento feito pela Mintel Global New Product Database. Por aqui, a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) reforça que melhorar os níveis de energia não só é tendência como será a reivindicação da próxima década.
Envelhecimento de cara nova
Em meio às tentativas para recuperar as energias, desacelerar e viver essa vida mais longa com qualidade, saúde e bem-estar, até o envelhecer bem ganhou um novo significado. “Para o consumidor atual, ter uma aparência saudável passa a ser prioridade no lugar de eliminar rugas, como acontecia lá pelos idos de 1996, 1997, quando a estética era tida como ‘coisa de mulher’”, compara Felipe Abrahão, professor do curso de estética da Universidade Anhembi-Morumbi, em São Paulo. “Na prática, isso significa que agora os produtos e serviços têm que se concentrar nessa promessa de oferecer uma aparência saudável em todas as fases da vida, independentemente do sexo do consumidor, e não mais em fazer o tempo voltar atrás. Além disso, os benefícios secundários devem ser bem específicos, como firmeza e melhora da textura da pele, para se alinhar à tendência de personalização reinante nesse segmento”, completa a consultora de tendências da Euromonitor Internacional, Daphne Kasriel-Alexander. “Isso comprova que tratar celulite, estria ou gordura localizada se encaixa na questão da longevidade com qualidade quando a gente deixa de vender sonhos para proporcionar realidades. O que só é possível quando o profissional joga com a verdade e esclarece para o cliente quais os limites pessoais dele relacionados ao seu histórico e hábitos de vida. Isso ajuda a fazer com que a pessoa se aceite melhor e entenda que dá para viver bem e ser feliz mesmo que não consiga apagar 100% das estrias, porque essa é sua beleza real, e que se cuidar sempre vale a pena”, completa a coordenadora da área de estética do Senac São Paulo, Silvia Mussolini.
Muitas possibilidades
Diante desse cenário, e do fato de que o consumidor tem se mostrado disposto a adotar e pagar mais por produtos e serviços que apoiem estas iniciativas de bem-estar e de longevidade com qualidade, inclusive como forma de projetar uma imagem pessoal melhor e bem-sucedida, pode encontrar boas oportunidades o profissional de estética que ficar atento aos grandes movimentos que já estão acontecendo e prometem ganhar força no futuro. Alguns dos principais são listados a seguir:
- Estética teen vira nicho
“Apesar da longevidade ser associada à maturidade, a melhora da qualidade de vida para que se viva mais e também melhor é, hoje, algo que se busca desde cedo, já a partir da adolescência. Isso porque pais e responsáveis estão cada vez mais conscientes de que as alterações estéticas típicas dessa fase e numa geração superexposta às redes sociais podem prejudicar o bem-estar emocional e físico do jovem assim como a construção da própria identidade e a percepção sobre si mesmo. E com impactos que se arrastarão por toda sua vida adulta. Esse tipo de visão tem estimulado até colégios de primeira linha a manter uma clínica de estética dentro de suas dependências, inclusive como forma de prevenir o bullying”, comenta o professor Felipe Abrahão. Apesar de não haver dados específicos sobre adolescentes que fazem tratamentos estéticos, dá para ter uma noção de que esse é mesmo um mercado em potencial quando se sabe que Brasil é o país que mais faz cirurgia plástica com fins estéticos em pessoas de 13 a 18 anos, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS). “Sairá na frente no atendimento a esse público o profissional que se especializar em tratar uma pele bombardeada por hormônios, claro. Mas terá ainda mais sucesso aquele que tiver a sensibilidade de entender que esse cliente não é um adulto novinho e, sim, alguém que não pode fazer todos os protocolos, pois está em fase de desenvolvimento, dificilmente frequentou uma clínica antes, é ansioso, tem enorme expectativa em torno dos resultados, achando que eles serão imediatos e definitivos, e muito provavelmente não possui maturidade para suportar certos incômodos e limitações de algumas técnicas, como ficar longe do sol e ver o rosto descamando depois de um peeling”, destaca a esteticista Kátia Pacheco Barbosa, do salão Menta Pimenta, em São Paulo.
- Construção civil passa a valorizar espaço de bem-estar à varanda gourmet
“Para atender às necessidades do consumidor que vai viver mais e quer viver melhor – e, claro, tem maior poder aquisitivo –, os novos empreendimentos imobiliários têm tirado o foco do ‘clube de morar’, que tinha como atrativos churrasqueira e piscina, e passam a oferecer ‘espaços de bem-estar’, com área de estética e spa e acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida, já que isso também faz parte do pacote da longevidade”, diz o professor Felipe Abrahão. A estratégia tem como base o crescimento da população com mais de 60 anos, que vem redefinindo o papel que tem na sociedade e buscando maneiras de levar uma vida mais ativa, significativa e independente e que sabe que a dor pode diminuir a vontade de viver e que o bem-estar traz o desejo de se cuidar melhor e ser mais feliz. “Chamado de adulto+ ou sênior, esse grupo valoriza o conforto de ter em seu conjunto de moradia a possibilidade de cuidar de suas manchas senis, de suavizar as marcas de envelhecimento ou mesmo fazer uma limpeza de pele ou massagem sem que precise se limitar ao formato tradicional do atendimento home care”, completa o professor da Universidade Anhembi Morumbi.
- Relax vira negócio de hotel de passagem, não só de resorts
“Dou muito treinamento em redes hoteleiras e começo a notar uma mudança na visão deles de que espaços de bem-estar e melhora da qualidade de vida, com profissionais de estética em tempo integral e fazendo parte do corpo de funcionários, não são um bom investimento apenas em resorts, mas também nos chamados hotéis de passagem, que atendem quem viaja a trabalho”, comenta o professor Felipe Abrahão. O setor de turismo percebeu que esse público não quer mais ficar apenas entre o quarto e as reuniões de negócios, tanto que o apelidou de ‘bleisure’, uma junção dos termos em inglês ‘business’ (negócios) com ‘leisure’ (lazer). Para quem duvida da força desse mercado, vale saber que, segundo a Embratur – Instituto Brasileiro de Turismo, esse turista de negócio gasta por dia no Brasil cerca de 329 dólares, o que dá em torno de 1.380 reais, enquanto o turista de lazer desembolsa diariamente por volta de 74 dólares, o equivalente a uns 310 reais, ou seja, quatro vezes menos!
- Atendimento a públicos específicos
“Pacientes oncológicos, veganos, da quarta idade, que são aqueles com 80 anos ou mais, doentes terminais em fase de cuidados paliativos… A segmentação dos serviços vem ganhando cada vez mais força justamente porque a estética deixou de ser associada a embelezamento para ser atrelada ao bem-estar e à qualidade de vida, independentemente do perfil da pessoa. De olho nisso, se destaca quem entender as necessidades de cada público com que deseja trabalhar. Por exemplo, veganos tendem a ter uma pele mais envelhecida pela baixa ingestão de proteína enquanto quem tem câncer sofre com ressecamento e tendência a manchas”, comenta o professor Felipe Abrahão. Concorda com ele a coordenadora da área de estética do Senac São Paulo, Silvia Mussolini, que acredita ainda que as práticas integrativas e complementares, em que o profissional de estética atua em parceria com especialistas de outras áreas, médicos inclusive, focando o bem-estar integral do paciente, vão se intensificar nos próximos anos. “Não me refiro apenas ao fato de que desde 2006 o SUS, Sistema Único de Saúde, e também o corpo médico reconhecem a acupuntura, a reflexologia, as massagens indianas e a cromoterapia como técnicas de atendimento complementar. Mas também porque existe uma maior valorização de profissionais de estética que agregam a seu atendimento um cuidado emocional, humanizado, individualizado e customizado. Com isso, ele consegue se diferenciar, fidelizar mais a cliente e fazer um viés brilhante em sua carreira”, reforça Silvia Mussolini.