Por microbiota entende-se microrganismos presentes nos seres humanos, como bactérias, vírus e fungos, enquanto o microbioma é a microbiota coletiva associada com a particularidade do ambiente. Para garantir boa resposta e homeostase do sistema imunológico é essencial que o microbioma e o ecossistema da pele convivam em simbiose, ou seja, cabe entender que os microrganismos podem se tornar competitivos eliminando uns aos outros ou trabalharem com sinergismo em busca do benefício mútuo. Uma pele desidratada, particularmente mais ácida e pobre em nutrientes, colabora com a adversidade que os patógenos encontram para colonização.
Embora diversos autores demonstrem as diferentes proporções de bactérias cutâneas, os filos Actinobacteria e Firmicutes continuam sendo os mais comuns, seguidos por Proteobacteria e Bacteroidetes. A maioria da população de bactérias na pele é composta por Cutibacterium e Corynebacterium, encontradas especialmente nas glândulas sebáceas e sudoríparas da face e das costas. Podem levar ao aparecimento de acne de acordo com as condições que a propicie, como alterações bioquímicas e dieta rica em estímulos de insulina, IGF1, mTORC1, estímulo de andrógenos e histamina, alterações em PPAR α, β, γ, leptinia e condições de estresse, ou até mesmo por uso de cosméticos inadequados ou de acordo com o ambiente.
O trato gastrointestinal abriga espécies diversas de microrganismos, desde bactérias, protozoários, fungos até organismos anaeróbicos unicelulares. As bactérias apresentam muitos benefícios à saúde, podem mediar inflamações e modular o sistema imune de forma sistêmica, como também são responsáveis pelo metabolismo de carboidratos, celulose e de nutrientes como vitaminas e minerais. Portanto, a mudança da dieta interfere diretamente nas respostas, aumentando ou diminuindo algumas espécies, e tornando maior ou menor a eficiência metabólica.
Qualquer alteração no microbioma intestinal pode levar a modificações nas células T reguladoras, estimulando a inflamação, mas também apresentar funções anti-inflamatórias como no caso da Bifidobacterium, que possui papel importante em estimular as células T reguladoras e demonstra função de melhor resposta imunológica. Um bom exemplo é a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), que advém da regulação imunológica como efeito do microbioma, e expressa função de manter a integridade da barreira intestinal, da resposta imune e do efeito anti-inflamatório.
A principal função do intestino grosso, e mais especificamente do delgado, é a absorção de micronutrientes e água. Os enterócitos, células que compõem a barreira intestinal, devem estar bem próximas umas das outras, formando uma barreira entre o que de fato entra na corrente sanguínea e o que está no intestino. Porém, indivíduos que cursam longos períodos com dieta inflamatória, com exposição aos xenobióticos, medicamentos e compostos alergênicos, geram hipermeabilidade intestinal (perda da barreira, “Leaky gut”). Isso permite que macronutrientes cheguem à corrente sanguínea, geralmente proteínas alimentares mal digeridas ou microrganismos que passam pelos espaços entre os enterócitos; por diversas sinalizações indica ao sistema de defesa que deve permanecer em alerta. Quanto maior o tempo de exposição, maior a necessidade e ativação do sistema imunológico, e maior o estímulo de células inflamatórias. Considerando esse processo como ponto inicial, temos aqui um campo de atuação nutricional muito importante que nos permite percorrer caminhos mais curtos em busca da saúde, no tratamento de doenças crônico-degenerativas e de muitas doenças de pele.
No que concerne ao assunto, o apoio nutricional vem por meio do modelo de dieta personalizado de acordo com a individualidade bioquímica que está diretamente relacionada com a análise e as condutas alimentares específicas. Como exemplo, para garantir boa produção de AGCC, pode-se recorrer ao uso de fontes prebióticas como batata yacon crua, aspargos, chicória, banana verde, legumes, frutas e verduras de modo geral, além de entender as características genéticas de cada um e analisar as interações com o expossoma e o ambiente.
Várias doenças dermatológicas estão relacionadas com o eixo intestino-pele, dentre elas destaca-se rosácea, acne, dermatites, lesões cutâneas, psoríase, seborreia, dentre outras. Seja a inflamação presente na pele ou no intestino, terá sempre uma associação com a presença de disbiose intestinal. Como visto, são muitas as doenças de pele relacionadas com o intestino e cada uma seguirá seu padrão de resposta imunológica e inflamatória trazendo variadas respostas e condutas terapêuticas. Entretanto, a base estrutural imune, pelo menos parcialmente, permanece comum entre elas.
Nas lesões acneicas, o processo de colonização bacteriana do folículo piloso mostra muito bem essa conexão entre pele e intestino. Como muito bem reportado em diversas pesquisas, um dos fatores fisiopatológicos que participa do desenvolvimento de acne é a colonização inadequada dos microrganismos cutâneos. Como visto, a superfície da pele é composta principalmente por: Corynebacteria, Propionibacteria e Staphylococci. Portanto, como discutido, o adequado equilíbrio e a interação entre todos os membros da microbiota cutânea podem ser garantias para a manutenção da pele saudável. A colonização do folículo pilossebáceo por Cutibacterium acnes é considerada como o início da lesão, ou dos fatores centrais para o desenvolvimento da acne, e participa intimamente da resposta inflamatória da pele e da imunidade inata. Confirmando esses dados, descobertas bem recentes sobre a C. acnes também trazem que a proliferação bacteriana não é o gatilho principal, mas, sim, o equilíbrio entre os membros de toda microbiota do tecido cutâneo, juntamente com todos os filotipos de C. acnes que determinam o aparecimento da lesão.
Dessa forma, a produção de sebo seria o gatilho principal na manutenção e no desenvolvimento da microbiota cutânea, que recebe estímulo hormonal desde a infância; do estresse e da inflamação ao longo da vida. No estudo de Farias e Kolbach1 e de Clark et al.2 o uso oral de probióticos repercute na saúde intestinal, no sistema inflamatório e imunológico, inclusive na microbiota da pele. Além da acne, os resultados são positivos na dermatite atópica, devido ao uso de prebiótico e probiótico produzir a inibição seletiva de C. acnes, preservação e estimulação da boa microbiota cutânea, uma vez que a composição e a adversidade da microbiota são estimulantes da inflamação. Deng et al.3 numa investigação genética da microbiota intestinal, encontraram relação direta de alteração de firmicutes menor em acneicos, com aumento de inflamação intestinal, sugerindo análise nutricional e bacteriana nos pacientes com acne. Manter a produção adequada de ácidos graxos de cadeia curta pode ser um grande aliado para modular a produção de citocinas pró-inflamatórias e a expressão gênica de moléculas de adesão, controlando a inflamação nos diversos níveis apresentados pela doença.
A dermatite seborreica é mais uma doença de pele que compromete todo o sistema tegumentar, que funciona como uma barreira efetiva na proteção contra perda de água e defesas, e pode ter melhores respostas quando associada a terapias voltadas ao microbioma e estudo de disbiose. O estado de hidratação da camada córnea deve ser considerado, uma vez que varia de acordo com a quantidade de água sistêmica, água dérmica, velocidade de evaporação, velocidade de ceratinização, quantidade e qualidade da emulsão natural da pele (fator de hidratação natural), sendo responsável por garantir a integridade e a qualidade do tecido. Nenhum alimento está única e diretamente relacionado com o desenvolvimento da dermatite seborreica, mas a dieta, na sua totalidade, pode auxiliar na diminuição de processos inflamatórios, no adequado estado imunológico para o controle fúngico e nos cuidados com a disbiose intestinal e da pele.
Em busca de respostas terapêuticas, Mahmoudi et al.4 estudaram as propriedades antimicrobianas do chá kombuchá. Investigaram sua atividade antifúngica da fração do acetato de etila deste chá, utilizado contra espécies de Malassezia obtidas de pacientes com dermatite seborreica. Os nutrientes e compostos fenólicos na bebida foram capazes de controlar a lesão e incluem polifenóis (flavonoides), ácido glucurônico, ácido glucônico, ácido lático, antibióticos, ácido fólico, ácido D-lático, epigalocatequina-galto, aminoácidos, vitaminas B1, B2, B3, B6 e B12. Esse estudo realizado in vitro abre possibilidades e abordagens para novas pesquisas na área, principalmente fortalecendo o conceito de mudança do ambiente e da microbiota intestinal, bem como o fortalecimento do sistema imunológico por meio da dieta.
Dessa forma, a microbiota intestinal sofre influência da dieta, da genética, de fatores ambientais, do estresse, de medicamentos, mas, considerando o papel genético do genoma humano e o microbioma intestinal, é possível entender o importante papel que desempenha nas vias metabólicas do organismo como um todo, inclusive nas doenças da pele.
Referências:
1 Farias MM, Kolbach M. Probióticos y prebióticos: Benefício real em dermatologia? Piel. 2011;26(5):227-30.
2 Clark et al.Clark AK, Haas KN, Sivamani RK. Edible plants and their influence on the gut microbiome and acne. Int ) Mol Sci. 2017;18(5):1070.
3 Deng Y. Wang H, Zhou ), et al. Patients with acne vulgaris have a distinct gut microbiota in comparison with healthy controls. Acta Derm Venereol. 2018;98(8):783-90.
4 Mahmoudi E, Saeidi M, Marashi MA. Et al. In vitro activity of kombucha tea ethyl acetate fraction against Malassezia species isolated from seborrhoeic dermatites. Curr Med Mycol. 2016;2(4);30-36.
Sheila Mustafá @sheilamustafa é nutricionista, pioneira e referência na área de Estética Funcional. Pós-graduada em Nutrição Clínica Funcional e em Fitoterapia Funcional. Esteticista facial e corporal, especialista em Drenagem Linfática Manual pelo Método Vooder. Coordenadora da Pós-graduação em Saúde da Mulher e Estética Faculdade VP. Autora do Livro Nutrição Funcional na Estética-Beleza além da Pele, ed. VP, 2021. Desde 1998 ela atua em consultório próprio especializado e integrado por equipe multidisciplinar das áreas da Medicina, Nutrição Funcional e Estética.