Apaixonada pela área e com olhar de vanguarda, ela escreveu uma rica história no cenário da Estética e da Cosmetologia, tornando-se fundamental para o profissionalismo das duas áreas no Brasil
Carmen Cagnoni @carmencagnoni
Maria Rita nasceu na cidade histórica mineira de São Gonçalo do Sapucaí. No final dos anos 1960, mudou-se para São Paulo e começou a lecionar Química e Biologia. O interesse por temas ligados à beleza logo se manifestou, fazendo com que ela buscasse cursos na área. Porém, a oferta era pouca, assim como a disponibilidade de cosméticos – a maioria era de difícil acesso devido ao preço, pois eram produtos importados. Foi quando descobriu um curso de Estética no Senac, que se limitava a mostrar movimentos de massagem facial e como fazer limpeza de pele de forma bem empírica, como pedia a época. Composto por aulas essencialmente práticas e com duração de um mês, Maria Rita ingressou no curso que daria start para a carreira que resolveu abraçar.
“A partir do momento que percebi o potencial da área, mas a carência de informações substanciais para o seu desenvolvimento, comecei as pesquisas. Sobre aparelhos, por exemplo, sabia que o uso de correntes elétricas para tratamento de pele já estava começando em alguns países e não havia aparelhos disponíveis no Brasil. No quesito cosmético, as opções eram muito limitadas para uso profissional, pois a maioria era destinada somente para uso em massagens e máscaras faciais e limpeza de pele. Esse era o mundo da cosmética na época”.
Assim, com determinação, ela buscou fontes confiáveis para se informar e, com base nos seus estudos e pesquisas, decidiu formatar um curso e o apresentar à direção do Senac-SP. “Defendi que com mais conhecimento, a área poderia crescer, pois precisava de embasamento consistente. As esteticistas naquele momento eram, em sua maioria, senhoras francesas que vinham da Europa e traziam a mística do cosmético importado, sendo consideradas as conhecedoras da beleza”, justifica. Então, em 1974, embasou o seu primeiro curso na época, denominado Limpeza de Pele, em um formato que julgava mais interessante: com duração de quatro meses e aulas diárias, incluindo formação teórica abrangente e muita prática.
Naquela época, a grande referência no setor era a Argentina e Maria Rita foi buscar aprimoramento no país vizinho. “Eu tinha bastante contato com profissionais das áreas de Química, além da Dermatologia. Isso porque eu já frequentava a Associação Brasileira de Cosmetologia (ABC), que surgiu na década de 1970. Era o momento da descoberta da cosmética no Brasil – o nosso país ocupava a 36ª posição no ranking mundial. A Argentina, por outro lado, tinha um mercado enorme, muitas vezes superior ao brasileiro.”
Frequentando vários cursos, começou a ter muitos contatos e trouxe profissionais argentinos para um congresso em São Paulo – o primeiro evento do setor que aconteceu no Senac, no centro da capital paulista. “Eu convidei personalidades representativas do mercado argentino, como dermatologistas e químicos; e comecei também a apresentar de forma muito viva a importância da botânica e dos extratos vegetais na Cosmetologia, questão que também estava iniciando. Passei a dar entrevistas na televisão e temas relacionados ao setor foram se disseminando”.
Surgiu, então, a primeira empresa importante de aparelhos, a Cosmocraft Eletromecânica, cujos proprietários russos trouxeram os primeiros aparelhos para o Brasil, ainda muito simples se comparados aos atuais, mas era o que existia na Europa: aparelho de alta frequência, de ionização e de vapor. O portfólio era pequeno e sem literatura sobre o tema. “Outro aparelho que era bastante usado na época, era o forno de Bier, capaz de promover aquecimento em regiões do corpo e usado para reabilitação, nas áreas de Reumatologia e afins. Por isso, eu fui buscar base na fisioterapia, que também estava nascendo naquela época, e me inscrevi na faculdade de Fisioterapia na Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Campinas. Também viajava bastante para a Europa, onde fiz curso de drenagem linfática, de tratamentos para face e corpo… Tudo para aumentar esse horizonte. Buscava conhecimento para transmiti-lo e tive milhares de profissionais frequentando minhas aulas”.
DESENVOLVIMENTO DO PROFISISONAL BRASILEIRO
Profissionalizar as esteticistas sempre foi uma necessidade premente para Maria Rita, especialmente por ver muitas ainda realizando um trabalho quase que intuitivo nas massagens corporais. Assim, incrementava seu trabalho de profissionalização no curso do Senac. “Comecei a convidar empresários e empregadores para acompanharem e avaliarem as alunas nas provas finais. Isso porque, recebia muitas opiniões ruins sobre a atuação das recém-formadas: os empregadores diziam que os clientes não queriam saber daquele tipo de massagem, pois era muito leve, e eles queriam ‘algo pesado, que deixasse o corpo dolorido e com mancha roxa’. E como explicar para o leigo que isso estava errado, que os profissionais estudavam, sabiam o sentido do movimento de mãos, da técnica, dos objetivos, dos diferentes tipos de massagens? Foi algo como desbravar o mundo! Aí, veio a drenagem linfática. Fiz o curso na França e trouxe a técnica para o Brasil, que continua a ter seu lugar de destaque.”
O caminho percorrido por Maria Rita para desenvolver o setor foi árduo, com muitos desafios, sempre tentando fazer trabalhos em conjunto com a Dermatologia. “Porém, quando os dermatologistas perceberam o crescimento da área de Estética, foram muito resistentes. Só alguns grupos pequenos de médicos conseguiam ter uma visão mais aberta. Acho que temiam perder o mercado para as ‘passadoras de creminho’ – expressão usada na época, baseada em preconceito. Os primeiros a aceitarem bem as esteticistas foram os cirurgiões plásticos. Quando começamos a trabalhar com drenagem, por exemplo, os meus bons contatos com a área de cirurgia plástica fizeram com que os médicos começassem a aceitar a ideia de profissionais da Estética realizarem drenagem pré e pós-operatório. Na Dermatologia, O Dr. Mario Grinblat foi o primeiro a ter o olhar mais aberto para o segmento da Cosmética. Ele era um entusiasta do tema e contava com uma esteticista muito competente, minha querida amiga Dolores, conhecida como Lola, trabalhava junto com ele para fazer as limpezas de pele, por exemplo.”
Ela também se lembra da época de desenvolver o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Fisioterapia. “Eu optei por um estudo sobre correntes elétricas em celulite. E nem uma palavra tinha sido falada sobre isso durante as aulas. Assim, ao apresentar o trabalho, eu fui vítima de certo desdém: ‘como pode, em um ambiente desses, de paralisia cerebral a politraumatismos, alguém vir falar de Fisioterapia aplicada na celulite’? Aquilo foi visto, para minha tristeza, como algo totalmente supérfluo, fútil. Enfrentei também o Crefito (conselho regional da categoria), pois precisei explicar como eu ministrava curso de drenagem linfática, pois era competência da Fisioterapia. Expliquei que quando eu fiz o curso lá atrás, ninguém falava sobre fisioterapia e no mundo inteiro a técnica era feita pela esteticista. Eles quiseram ver todo o material da escola, e eu estava pronta para defender a minha causa com total embasamento”.
A CRIAÇÃO DE UMA MARCA: VALMARI
Em 1979, Maria Rita e seu marido, Silvestre Mendonça de Resende (publicitário de formação e ativo no desenvolvimento de pesquisas, que também foi fisgado pelo setor), receberam uma proposta: “Com todos os contatos que tínhamos na Argentina, o químico Abraham Rosenberg (diretor industrial da Cosmética Científica de Buenos Aires antes de vir para o Brasil), nos procurou e começamos a pensar no desenvolvimento de uma indústria de cosméticos. Naquela época, a maior existente tinha 10 produtos para trabalhar todo o universo da beleza e isso era impossível. Começamos a viabilizar essa ideia, em 1979. Infelizmente, Rosenberg faleceu antes de dar vazão ao projeto em conjunto”.
Maria Rita e Silvestre não desistiram, e viram oportunidade de realizar outro trabalho: a criação de uma farmácia de manipulação, a Botica Valmari, em 1980, juntamente com o farmacêutico bioquímico Henrique Valfré, que trazia também ampla experiência em química cosmética. “Graças aos meus contatos com a Dermatologia, eu podia fazer uma ponte importante entre a manipulação de formulações avançadas para a época com produtos inovadores. Eu via no exterior o que havia de mais importante, refletia sobre aquilo, fazia adequações, e assim nós trouxemos coisas que para a época eram impactantes”.
Um exemplo disso está na manipulação dos filtros solares que os dermatologistas começavam a prescrever. “O único filtro disponível no mercado naquela época, era o PABA (ácido 4-aminobenzóico), branco como a neve, e ninguém queria usar. Então, nós vimos possibilidade de introduzir um pigmento na fórmula. Assim, nós fizemos o primeiro produto com filtro solar e pigmentação do mercado, isso no final dos anos 1970. Atualmente, ninguém pensa num filtro solar que não seja multifuncional, com função de corretivo, base ou pré-base. Mas, naquela época, causou grande impacto. Por isso, nós desenvolvíamos na farmácia de manipulação trabalhos importantes, mas sabíamos que a nossa vocação estava voltada para os cosméticos.”
Com essa visão de negócio, em 1982 eles construíram uma fábrica em Diadema (SP) e transformam a Botica em Valmari Laboratório Dermocosmético. “Já usávamos o termo dermocosmético para descrever um produto que mesclava o conceito de medicamento e cosmético. Um dos primeiros produtos que nós criamos foi justamente um item que denominamos de múltipla ação: um hidratante com vitamina C que também oferecia proteção solar e funcionava como corretivo da pele.”
Ela também destaca a utilização do extrato de centella asiática nos produtos corporais: “Nós fomos a primeira empresa de cosméticos nacionais a usar o ativo, após a realização de um trabalho com o Prof. Dr. Orestes Scavone, que era chefe do Departamento de Botânica da Universidade de São Paulo (USO) nos anos 1975/1976. Foi cultivada a planta, dela ele obteve o extrato e pesquisou a sua composição. A partir de então entendemos e pudemos justificar o motivo da centella asiática ter uma relação tão importante com o tratamento da celulite. A pesquisa intensa sobre as matérias primas botânicas utilizadas em nossos cosméticos, e a compilação de literatura com este foco, eram constantemente utilizadas para comprovar a adequação da presença destes ativos vegetais em nossas formulações. Isto era uma constante: fazíamos verdadeiros dossiês para fundamentar a eficácia de um produto. Cheguei até a fazer palestras em órgãos públicos, aqui em São Paulo e em Brasília.”
A paixão pelo conhecimento levou Maria Rita a criar, em 1983, o Centro de Estudos de Cosmetologia Aplicada (CECA), regulamentado pela Secretaria da Educação como curso técnico.
“Hoje, o mercado experimenta uma amplitude de opções em relação ao desenvolvimento tecnológico, com excelentes equipamentos tanto para tratamento facial quanto corporal, produtos altamente eficazes e inúmeras possibilidades de aprimoramento de conhecimento científico, o que é muito gratificante para todos que amam a área e se dedicaram para chegarmos até aqui, passando o nosso país de 36º do ranking do mercado da beleza mundial para o 4º lugar.”
Maria Rita segue mantendo sua dedicação aos estudos, às pesquisas e ao ensino da Cosmetologia Aplicada, desenvolvendo e ministrando cursos de formação e aperfeiçoamento no Brasil e no exterior. É autora de trabalhos científicos apresentados em congressos e publicados em diversas revistas técnicas nacionais e internacionais. É uma das maiores conhecedoras de cosméticos, reconhecida por sua capacidade, profissionalismo e importância no setor.
FRASES
“Hoje, o mercado experimenta uma amplitude de opções em relação ao desenvolvimento tecnológico, com excelentes equipamentos tanto para tratamento facial quanto corporal, produtos altamente eficazes e inúmeras possibilidades de aprimoramento de conhecimento científico”
“Viajava bastante para a Europa, onde fiz curso de drenagem linfática, de tratamentos para face e corpo. Buscava conhecimento para transmiti-lo e tive milhares de profissionais frequentando minhas aulas”