Você já parou para pensar até que ponto o cuidado com a pele pode deixar de ser saudável e se transformar em um problema? Pois a dermorexia, termo ainda pouco conhecido, tem chamado a atenção de especialistas. Trata-se de uma preocupação excessiva com imperfeições da pele, como acne, manchas ou poros dilatados, que leva à adoção de rotinas obsessivas de skincare e ao uso indiscriminado de produtos. Embora o autocuidado seja importante, o excesso pode trazer consequências negativas para a saúde mental e física.
A dermorexia vai além de um simples desejo por uma pele bonita, por isso, no consultório, é importante identificar sinais como o uso exagerado de produtos e a busca incessante pela ‘pele perfeita’, que muitas vezes resulta em insatisfação crônica. Essa condição pode ser comparada ao distúrbio dismorfia corporal, no qual as pessoas se fixam em falhas que podem nem ser percebidas por outros. O desafio é que esses comportamentos nem sempre são claros para os pacientes, mas podem causar danos à autoestima.
Esse problema tem sido amplificado pelas redes sociais, especialmente plataformas como Instagram e TikTok, onde influenciadores promovem padrões de beleza muitas vezes irreais. A pele dessas influenciadoras já é bonita, e é por isso que elas são contratadas para fazer essas publicidades. Mas precisamos desenvolver um senso crítico sobre o que vemos nesse mercado da beleza. Isso porque adolescentes – e até crianças -estão sendo impactados por essas tendências, muitas vezes iniciando o uso precoce de cremes antienvelhecimento ou tratamentos inadequados para a idade.
A popularização de rotinas intensivas de cuidados com a pele, como as inspiradas no K-beauty (beleza coreana), também contribui para essa obsessão. No Brasil, um país marcado pela diversidade étnica e cultural, esses padrões podem ser especialmente prejudiciais. Nossa pele não segue necessariamente os padrões apresentados por modelos coreanas. Em muitas situações, a adolescência é marcada por espinhas e manchas, algo completamente normal.
No entanto, a pressão para alcançar uma pele impecável pode gerar sentimentos de inadequação e culpa em quem não consegue ou não deseja seguir essas tendências. Essa busca pela perfeição gera um ciclo vicioso: quanto mais produtos são usados sem orientação adequada, maior é o risco de irritações ou outros problemas dermatológicos, como acne induzida por cosméticos. Isso leva à ainda mais frustração e reforça a insatisfação com a própria aparência. Por isso, muitos pacientes chegam ao consultório relatando experiências negativas com produtos que prometeram milagres, mas acabaram agravando suas condições.
A pandemia da COVID-19 também faz parte desse cenário. O aumento do tempo gasto em frente às telas trouxe mais visibilidade às inseguranças relacionadas à aparência. O ambiente virtual gerou um foco exagerado na pele e na estética. O consumo desenfreado de conteúdos sobre skincare intensificou essa pressão.
Outro ponto é o impacto psicológico desse comportamento obsessivo. Muitos jovens dedicam horas às rotinas de cuidados com a pele, deixando de lado atividades saudáveis e momentos importantes de socialização. Além disso, há uma questão econômica envolvida: o mercado da beleza movimenta bilhões anualmente e alguns profissionais e marcas se aproveitam da insegurança das pessoas para vender soluções rápidas e muitas vezes ineficazes.
Influenciadores lançam suas próprias marcas ou promovem produtos sem embasamento científico adequado, contribuindo para a disseminação de mitos sobre skincare. Um dos maiores é acreditar que mais produtos significam melhores resultados ou que itens caros são sempre os melhores.
Diante desse cenário, qual seria o caminho para lidar com essa questão? A resposta está na educação e na conscientização: Nós temos a responsabilidade de promover uma relação mais saudável com a beleza, de reforçar a importância de cuidados adequados à realidade individual de cada tipo de pele e de combater os padrões inalcançáveis impostos pelas redes sociais.
A aceitação da própria aparência também deve ser incentivada desde cedo. É fundamental ensinar crianças e adolescentes que ter espinhas ou manchas faz parte do processo natural do corpo humano e não deve ser motivo para vergonha ou insegurança. E cabe também aos consumidores desenvolverem um senso crítico em relação ao conteúdo on-line consumido e às promessas feitas pelo mercado da beleza. A busca pela saúde da pele deve estar alinhada ao bem-estar emocional e não ser guiada por pressões externas ou ideais irreais. A dermorexia nos faz refletir: até mesmo práticas consideradas positivas podem se tornar prejudiciais quando levadas ao extremo. Cuidar da pele é importante, mas aceitar nossas imperfeições também faz parte do processo de construir uma autoestima saudável em um mundo repleto de filtros digitais e padrões inalcançáveis.