A SAÚDE DA PELE DURANTE A TRANSIÇÃO DE GÊNERO

Pessoas que passam pelo processo de transição de gênero, especialmente as que usam terapia hormonal e procedimentos cirúrgicos, tendem a sofrer diversas alterações fisiológicas, causando mudanças dermatológicas que podem se tornar problemas agudos ou crônicos.
Além disso, algumas pessoas que passam por este processo relatam níveis de estresse aumentados por diversos motivos, como falta do autoconhecimento do corpo atual, inseguranças com o período de transição e problemas sociais relacionados à transfobia. Esses impactos são profundos e geram uma resposta física ligada diretamente ao estresse, aumentando a produção de alguns hormônios, como cortisol, adrenalina e norepinefrina, que afetam diferentes órgãos no corpo de maneiras diversas, incluindo, é claro, a pele. 
A modificação corporal causada pela terapia hormonal varia conforme o gênero. Em homens trans o hormônio da terapia é a testosterona, que na pele estimula a produção de sebo e o crescimento de pelos. Esta hiperprodução sebácea favorece um ambiente mais propício para a proliferação da bactéria Propionibacterium acnes na glândula, uma vez que essa bactéria se alimenta das gorduras presentes no sebo. Além disso, a maior proliferação desse microrganismo estimula células do sistema de defesa a liberarem radicais livres na tentativa de combater esses invasores. Os radicais livres reagem de forma oxidativa com os micro-organismos, mas também com moléculas estruturais da nossa pele e favorece a permanência de um ambiente inflamatório permanente, característico da acne vulgar. 
Já em mulheres trans, o hormônio utilizado é o estrogênio. Na pele, ele tem uma ação importante de estímulo da atividade de melanócitos, células especializadas na produção de melanina, favorecendo a ocorrência de manchas, como melasma, por exemplo. Isso ocorre, pois, os hormônios femininos têm ação direta na pigmentação da pele, em especial estrogênio e progesterona. Assim, quando o nível desses hormônios está elevado pode agravar o melasma em mulheres que já têm propensão genética para essa dermatose. Isso é muito comum, por exemplo, durante a gravidez e na transição de uma mulher trans, por isso os cuidados com a pele devem ser redobrados para evitar o surgimento das manchas.
A fisiologia de hormônios envolvidos no processo de transição, entretanto, vai além da ação da testosterona ou do estrogênio, pois todo o processo pode gerar muito estresse, elevando a produção de cortisol (hormônio do estresse). E altos níveis desse hormônio no organismo favorecem a permanência de um ambiente inflamatório. Na pele, a inflamação persistente aumenta o metabolismo de glândulas, como a sebácea, e o metabolismo do melanócito, favorecendo quadros de manchas relacionadas à inflamação, denominadas hipercromias pós-inflamatórias.
Pensando nesse quadro de mudanças hormonais e pessoas com outras condições raras de pele, como psoríase, dermatite atópica, vitiligo, pênfigo e eczemas, é importante considerar a resposta do sistema imune às alterações que ocorrem na transição. Neste grupo em especial a atenção deve ser dada à saúde da pele e prevenção do agravamento de lesões.
Vale também destacar o processo de cicatrização de pessoas trans que passam por procedimentos cirúrgicos, como a mastectomia. O processo de cicatrização é um processo complexo e dinâmico, que envolve as etapas de coagulação, inflamação, proliferação, contração da ferida e remodelação. É importante que cada uma das etapas do processo de cicatrização ocorra de forma adequada para minimizar as cicatrizes. Para isso, produtos de ação cicatrizantes cientificamente comprovados já estão disponíveis no mercado.
Tendo em vista o exposto, entende-se que a pele da pessoa trans sofre alterações fisiológicas que podem comprometer sua qualidade de vida, principalmente quando falamos de barreira da pele. Entender o aspecto inflamatório que será enfrentado pelos estratos cutâneos é importante para encontrar os produtos mais adequados. Sabonetes e hidratantes de ação anti-inflamatória, antioxidante e cicatrizante são grandes aliados nesse cuidado.

Cynthia Nara @cynthianarapo é graduada em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com ênfase em Indústria de Medicamentos e Cosméticos, e em Estética e Cosmetologia pelo Centro Universitário Newton Paiva. É mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de São Paulo (USP) e doutoranda pelo departamento de Farmacognosia e Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da UFMG. Fundadora e CEO da Pele Rara @pele.rara, startup que desenvolve produtos para peles sensíveis.

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