Proteção jurídica na estética na era das superexectativas

Entre todos os temas relevantes apresentados por grandes palestrantes durante os três dias de evento, a proteção jurídica é de interesse de todos os profissionais do setor da Saúde Estética. O tema abordado por Guilherme Cattani (@guilhermecattaniadv), especialista em Direito Médico e Hospitalar, é de suma importância hoje e sempre!

É evidente a evolução do mercado da Estética e a importância que a sociedade está destinando aos serviços embelezadores como instrumentos de busca do bem-estar biopsicossocial. Em qualquer segmento ou subsegmento estético, a cadeia produtiva do embelezamento assumiu uma condição de crescimento irrefreável. Seja isso motivado pela instabilidade emocional que paira sobre o tecido social, pelos efeitos da pandemia ou por mera dinâmica sociológica, fato é que quanto mais serviços são prestados, maior o risco”, constata o mestre em Gestão de Políticas Públicas e professor em cursos de pós-graduação. De acordo com ele, quando falamos em riscos, o primeiro pensamento que tende a vir à mente é o que pode ser feito para gerenciar esse cenário inevitável e garantir proteção contra fenômenos adversos.

Nesse diapasão, entre outras matérias e posturas que qualquer empresa desse setor necessita, a segurança jurídica, isto é, o cumprimento de todas as regras estabelecidas para uma prestação de serviço de estética regular, ganha um valor singular. E a busca da proteção jurídica no universo da Estética vai além de seguir um figurino legislativo ou normas éticas, mas entender os padrões de comportamento dos consumidores (pacientes), ou seja, entender de pessoas e suas peculiaridades para prevenir cenários piores”, argumenta.

Para o especialista, o caminho recomendado é separar o protocolo jurídico na Estética em quatro grandes grupos: Conhecimento, Relacionamento, Documentos e Competência Jurídica. A seguir, Guilherme Cattani explica cada um deles.

Conhecimento

No que se refere ao insubstituível conhecimento, e aqui me permitirei ler esse termo como todo aquele conteúdo absorvido em graduação e pós-graduação, se salienta que é a grande ferramenta protetiva para qualquer profissional da Saúde e Estética.

Se vamos intervir no corpo humano de outrem, seja minimamente ou de maneira mais invasiva, precisamos ter perícia para assumir essa responsabilidade e ainda que haja informações de qualidade aos montes disponíveis, os meios mais concretos e objetivos que temos para comprovar esse conhecimento são as formações acadêmicas.

Toda classe profissional que queira entender se tem competência para fazer um procedimento ou atuar em determinada área deve se perguntar: eu tive disciplinas formativas e profissionalizantes que me capacitaram no âmbito teórico e prático para executar isso que estou me propondo fazer?

Essa é a pergunta que separa o joio do trigo, uma vez que quando tratamos sobre competência profissional, jamais podemos nos olvidar do grande protagonista dos procedimentos estéticos: os pacientes! Isto é, a saúde pública. E a segurança destes deve ser sobremaneira preservada.

O período dos experimentos e cobaias já deu espaço aos direitos humanos e ao dever do consentimento há muitas décadas, e em hipótese alguma podemos abdicar disso.

Dentro dessa perspectiva, não se admitirá a execução de procedimentos sem respaldo científico, isto é, sem experimentos realizados e testados, bem como sem respaldo jurídico (fundamentação).

É indispensável se certificar se a ciência dá aval a esse produto, instrumento, equipamento ou serviço (procedimento) estético. Se não houver essa ‘chancela técnico-científica’, ainda que muitas pessoas estejam fazendo ou promovendo, não é juridicamente permitido que se faça.”

Relacionamento

Antes de qualquer injeção, produto ou resultado embelezador, os profissionais têm a oportunidade de se relacionar com seus pacientes, os quais, via de regra, esperam muito mais do que uma simples retirada de linhas de expressão ou um efeito rejuvenescedor, mas uma experiência prazerosa e convidativa.

O consumidor da Saúde, especialmente da Saúde Estética, quer se sentir melhor, sob a perspectiva do bem-estar mental e social. Os procedimentos são somente os meios para isso.

E me arrisco a dizer que para a maioria dos pacientes, a marca do produto a ser utilizada ou o plano dérmico a se explorar é algo praticamente irrelevante.

O paciente busca resultado. Busca sensações e emoções positivas. O quanto antes o profissional da Estética notar isso, mais cedo ele conseguirá triunfar no segmento e ver seu valor de mercado aumentar a partir do  “boca a boca” (notabilidade social) de seus pacientes.

Genival Veloso de França, um dos maiores literatos do Direito Médico do país, diz uma frase emblemática sobre isso, qual seja: ‘Paciente bem tratado não processa’. E o que ele quis dizer com isso? Que quando o paciente adquire confiança, quando vê na primeira consulta um ser humano franco, responsável e verdadeiramente disposto a ajudar, possivelmente antes de escolher o pior método de resolução de conflitos (a ação judicial ou uma denúncia), ele selecionará formas mais amistosas de mediar a situação.

O paciente conhece os riscos. Não tenha medo de lhe contar as circunstâncias e as condições do procedimento. As pessoas, quando decidem por fazer um procedimento injetável, por exemplo, sabem que uma reação adversa pode acontecer. O que elas não admitem é serem surpreendidas negativamente. Invista em relacionamento de qualidade, porque, do ponto de vista jurídico, não irá se arrepender.”

Documentos

Eu não teria como começar este tópico com uma frase diferente, qual seja: o que não foi formalizado não foi feito. O mundo jurídico tem uma linguagem própria para suas fontes de uso e estas, no ramo da Estética, têm como atributo principal de diálogo, os documentos.

É a partir dos registros documentados que os agentes públicos, quando de alguma fiscalização, poderão extrair as respostas sobre os acertos e erros das atuações dos profissionais do setor. Para um fiscal da vigilância, juiz, delegado, promotor ou membro de conselho profissional, palavras ao vento sem qualquer outro meio palpável de prova para corroborar são praticamente dispensáveis.

Consentimento ou diagnóstico inteiramente verbal, no âmbito jurídico, tem sua validade, em regra, comprometida. Nesse contexto, sugiro a vocês simularem mentalmente comigo as etapas de um atendimento na Estética. Vamos lá:

Vocês iniciarão – ou deveriam iniciar – pela anamnese, momento este de descoberta e início do relacionamento com o paciente. Momento de investigação, de diagnóstico e de extração dos dados clínicos que irão subsidiar o seu plano de tratamento ou, então, em hipótese inversa, na observação da ausência de indicação do paciente, a dispensa.

Portanto, o primeiro documento primordial, sob minha análise, é a ficha annamnética, que deve ser robusta, personalizada ao procedimento ou área de atuação e, ao fim, após a discussão com a profissional, assinada pelo paciente.

Se houver indicação para os procedimentos oferecidos, sugiro fazer uso de um Plano de Tratamento para explicar ao paciente o motivo da seleção daquele procedimento para o caso, as alternativas eventualmente existentes e já aproveitar para formular o orçamento detalhado do caso, em respeito ao Código de Defesa do Consumidor.

Quando o paciente está de acordo com essa etapa inicial, deixando sua assinatura em todos os documentos mencionados, pode-se passar a uma das formalizações mais importantes: a do Termo de Consentimento.

A oficialização do consentimento se dá pelo famoso Termo de Consentimento prévio, Informado e Esclarecido, o qual deve conter desde as explicações sobre o conceito do procedimento, como riscos, contraindicações, sensações, alternativas, entre outras informações boas e ruins que o paciente deve saber antes de aceitar se submeter ao procedimento.

As designações de prévio, informado e esclarecido se dão pelos seguintes motivos:

  • Prévio: tem que ser assinado invariavelmente antes dos procedimentos, com exceção para os casos de urgência e emergência.
  • Informado: deve ter as informações capazes de esclarecer todos os detalhes e tópicos relevantes do serviço a ser prestado.
  • Esclarecido: há de se apresentar um documento acessível o suficiente para que o paciente compreenda. Uma mensagem só é considerada mensagem quando o receptor de fato a entende.

Nesse sentido, sempre faço questão de ratificar: o paciente provavelmente não deixará de fazer os procedimentos porque eles apresentam riscos; disso potencialmente ele já está ciente. O que os consumidores não perdoam é terem reações negativas inesperadas, que em momento algum foram avisadas ou previstas.

E, para finalizar, não posso deixar de citar o Contrato de Prestação de Serviços Estéticos, que servirá para você estabelecer todos os limites da relação jurídica, ou seja, direitos e deveres dos pacientes e profissionais, como preço, forma de pagamento, corresponsabilidades, pilares da relação e todos os outros detalhes que devem ser alinhados antes do serviço cosmético ser prestado.

Muitas coisas são permitidas, desde que avisadas e combinadas pormenorizadamente antes. Além do dever de fazer certo, o profissional tem o dever de informar corretamente e a simbolização jurídica desse dever de informar, se dá, em regra, pelos documentos. Eles são seus amigos. Trate-os bem!”

Regulamentação da estética sob o olhar jurídico

Como ponderado acima, qualquer discussão sobre a habilitação para atuação profissional advém de dois grandes pilares: Ciência e Norma.

A Ciência, em que pese estar longe de ser infalível, é a maneira mais confiável já inventada até então para provar metodologicamente a experimentação de fórmulas, substâncias, ativos, reações e tudo aquilo que razoavelmente se exigiria testar para se oficializar um procedimento ou uma área como potencialmente segura e eficaz para a sociedade.

Enquanto a Norma se afigura como o instrumento de pretensa precificação cívica em um estado democrático de direito. É o meio pelo qual as regras são estabelecidas por aqueles detentores de poder para regrar a vida comunitária.

Desta feita, para começarmos a falar sobre a competência de qualquer classe ou profissional para fazer qualquer coisa, temos que recrutar das Ciências e das fontes do Direito, em sentido amplo, o respaldo necessário para assegurar, na medida do possível, que se for dada esta liberdade, ela será exercida sob o manto da responsabilidade integral, sempre com vistas à proteção da Saúde Pública (do consumidor da Estética).

E aqui, importante que se diga: responsabilidade técnica e ética. E quando falo de Estética, pontualmente como ofício, apesar das peculiaridades, a coisa não funciona diferente.

A primeira e mais importante especificidade é que tecnicamente é muito confortável cravar que não há, sob hipótese alguma, a exclusividade de qualquer classe para o exercício de procedimentos estéticos, uma vez que a finalidade do procedimento por si só, se terapêutico ou embelezador, não é o balizador principal para habilitação do profissional A ou B.

O que define e deve sempre nortear a possibilidade de alguém executar procedimentos é o quanto e como esta classe estudou, sob o prisma teórico e prático, os temas e elementos formativos necessários a realizar os procedimentos com segurança, bem como a permissão jurídica para isso. Ou seja, se há na matriz curricular disciplinas formativas teóricas e atividades (treinamentos) práticas que tornem, ao menos minimamente, os referidos profissionais hábeis a executarem os procedimentos inseridos no segmento.

Não seria possível mencionar todas, mas quando falamos de injetáveis, por exemplo, é imprescindível para qualquer profissional que queira iniciar sua atuação, que estude profundamente anatomia, fisiologia, fisiopatologia, farmacologia, farmacodinâmica, histologia, entre outras tem éticas que darão a ele a base científica mínima para realizar todas as etapas de um exercício profissional estético com segurança.

Quando falamos de etapas, menciono implicitamente o diagnóstico, prognóstico, execução, pós-procedimento e solução ou condução em caso de intercorrências. Nesse sentido, com todo respeito, não consigo visualizar ainda (juridicamente), levando em conta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, profissionais que jamais passaram por uma faculdade realizando procedimentos que outras classes exigem como condição mínima para atuação o registro de pós-graduação como especialista na área.

Esse é o caso dos cursos de Farmácia, Enfermagem, Biologia e Biomedicina, que exigem, como condição indispensável para a atuação com injetáveis, por exemplo, a realização de pós-graduação com uma quantidade significativa de horas teóricas e práticas a apresentar.

Destarte, não me parece plausível, por hora, tanto no que diz respeito à saúde dos pacientes, como a isonomia, que as demais classes, que técnicos em Estética, sob a égide da Lei 13.643/2018, apenas com experiências empíricas (3 anos), isto é, sem terem passado pela academia, possam aplicar ácido hialurônico e toxina botulínica livremente.

E aqui é fundamental mencionar que é óbvio que existem profissionais que, pela vasta experiência empírica, são e seriam maravilhosos injetores, entretanto, quando normatizamos regras para a sociedade, especialmente envolvendo saúde, não podemos focas nas exceções, mas no que parece presumivelmente mais próximo do interesse público.

Além disso, levando em conta a ausência de um Conselho Profissional que regulamenta a atividade do esteticista, bem como que o princípio da legalidade não é algo que se avalie isoladamente, isto é, dissociado de outros valores e parâmetros constitucionais, como saúde, isonomia, segurança jurídica e outros, me parece que, enquanto não for criado uma autarquia com as suas respectivas regras éticas, uma postura razoável a ser tomada seria a exigência desses profissionais (mencionados na Lei  13.643/2018) para atuação de uma pós-graduação que contemplasse, no mínimo, o cumprimento das mesmas disciplinas exigidas dos demais ‘estetas’.

Essa seria uma homenagem, ao menos até a criação de um Conselho Profissional, ao princípio da isonomia, da segurança jurídica e da própria legalidade sob uma perspectiva sistêmica e ponderada.

Somos uma empresa com coração e alma humanos. E a humanidade nos traz inquietude para buscarmos sempre o novo, discernimento para abraçarmos as causas certas, coragem para seguirmos adiante mesmo em face de tempos difíceis, orgulho para mostrarmos a grandiosidade do segmento brasileiro.

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