O Brasil ultrapassou os Estados Unidos e hoje é o país onde mais se realiza cirurgias plásticas no mundo, segundo dados divulgados em 2019 pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS). Entre as muitas consequências desse sucesso está o aumento da demanda por profissionais da área de estética que atuam no pós-operatório e sejam especializados em tratar cicatrizes, inclusive as que são resultados de procedimentos malfeitos e geradas por outros fatores, como queimaduras, problemas de pele ou acidentes. Diante de um tema tão atual e cheio de possibilidades, NEGÓCIO ESTÉTICA levantou algumas das dúvidas mais pertinentes sobre essas marcas que tanto impactam a autoestima; acompanhe.
Shâmia Salem
1. O que, afinal, é uma cicatriz?
“A cicatriz acontece toda vez que existe uma interrupção da integridade dos tecidos, ou seja, quando uma célula passa a não encontrar a célula ao lado. A partir disso, para que haja cicatrização, o organismo inicia um processo de inflamação”, explica a cirurgiã plástica Beatriz Lassance, de São Paulo, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e da Isaps (International Society of Aesthetic Plastic Surgery). “Quando os tecidos se rompem são liberadas substâncias que fazem com que as células mudem de comportamento e, ao invés de fazer a função específica daquele órgão, passam a se multiplicar, mudar de formato e comunicar outras células.Todo o corpo funciona para curar aquela ferida e é desse processo inflamatório que surgem sintomas comuns durante a cicatrização, como dor, edema e vermelhidão”, completa a médica. “Com o passar do tempo, mesmo após a cicatrização, o processo inflamatório continua e acontece a substituição de fibras e células por estruturas mais resistentes e permanentes até que o tecido esteja fazendo função semelhante à anterior. É nessa fase que ocorrem as tentativas de controlar o processo com tratamentos”, diz.
2. O interesse dos pacientes em tratar cicatrizes é focado no prejuízo estético deixado pela marca na pele?
A fisioterapeuta dermato-funcional e professora Vilma Natividade, de São Paulo, afirma que a estética, claro, é um grande impulsionador da busca pelo cuidado adequado. Porém, é preciso entender que as cicatrizes também podem trazer uma série de consequências para o paciente, entre elas a perda da função, a limitação e a restrição dos movimentos.
3. Cicatriz dói?
Sim, em alguns casos a dor também pode estar presente. “Já atendi pacientes que se queixavam de desconforto intenso até mesmo em lugares diferentes de onde estava a fibrose, devido ao impacto que as cicatrizes provocam nos movimentos do corpo”, diz a professora Vilma Natividade, que tem mestrado na área de cirurgia plástica e é especialista em tratamentos de sequelas. Segundo ela, uma cicatriz de uma cesárea pode, por exemplo, causar incômodo na região dos rins e cicatrizes de abdominoplastia são capazes de gerar dores nas costas.
4. Por que o tratamento de cicatrizes pode envolver especialistas de diversas áreas?
Isso vai depender de cada caso. Mas, de maneira geral, a equipe de enfermagem, biomedicina, farmácia e nutrição tendem a atuar principalmente no processo de recuperação e fechamento das feridas; ao passo que os da fisioterapia geralmente se debruçam sobre a reabilitação motora da pele enquanto os da estética tendem a focar na melhorara do aspecto visual das cicatrizes, o que favorece a autoestima, a qualidade de vida e o bem-estar do paciente. Claro que tudo isso pode ser mudado conforme a especialização do profissional.
5. De maneira geral, e olhando para o cuidado das cicatrizes, quais ferramentas podem ser utilizadas em pós-cirúrgicos de cirurgia plástica estética?
Há inúmeras. Mas, para ficar em algumas das mais utilizadas, a fisioterapeuta dermato-funcional Vilma Natividade conta que a alta frequência pode ser adotada para a desinfecção de feridas, a partir da autorização do médico do paciente, e o taping, também conhecido como bandagem elástica, vem sendo bastante usado para potencializar a drenagem linfática. “Como o ultrassom tem o risco de favorecer a formação de fibroses, geralmente optamos por trabalhar essa cicatrização interna na área operada com ganchos de crochetagem”, esclarece ela.
6. O que é crochetagem e como ela trabalha a cicatrização?
Crochetagem é uma técnica manual realizada com ganchos anatômicos de plástico para trabalhar a fascia muscular a fim de provocar uma liberação tecidual. Na prática, o procedimento alonga ou rompe as fibras do tecido conjuntivo e relaxa a musculatura. Daí ser bastante usado em pós-operatório tardio, como naqueles casos em que a cirurgia foi realizada há anos e gerou um acúmulo de gordura ao redor da cicatriz causando dor, prejuízo a circulação sanguínea local e desconforto estético. Isso pode acontecer, por exemplo, em cicatrizes da cesárea, mas o problema também pode ocorrer em casos de cicatrizes de acne ou de celulite nodular e após queimaduras. “Em situações desse tipo a crochetagem é usada com o intuito de destruir a placa fibrótica e, consequentemente, as cicatrizes de maneira não invasiva e indolor. Para potencializar os resultados, e dependendo do caso, a crochetagem pode ser combinada com drenagem linfática, vacuoterapia, acupuntura e até com alguma tecnologia, como o ultrassom ou a radiofrequência”, diz a professora Vilma Natividade.
7. O que é uma cicatriz normotrófica?
De acordo com a fisioterapeuta dermato-funcional, esteticista e professora da Universidade Anhembi Morumbi Mariana Negrão, de São Paulo, que trabalha com cicatrizes há mais de duas décadas e é autora dos livros Abordagens terapêuticas nas sequelas de queimaduras e Cicatrizes de acne: da avaliação ao tratamento, a cicatriz normotrófica é caracterizada por não provocar alterações na espessura cutânea. Ou seja, as marcas ficam no mesmo nível da pele e com a mesma coloração dela.
8. De que maneira é possível identificar uma cicatriz hipertrófica?
De acordo com a descrição da Sociedade Brasileira de Dermatologia, além de poder apresentar vermelhidão, coceira e elevação na pele, a cicatriz hipertrófica não ultrapassa os limites da área lesionada.
9. Como diferenciar a cicatriz hipertrófica de uma queloidiana?
Ambas podem apresentar vermelhidão, coceira e elevação na pele. Porém, o queloide se distingue por possuir ainda a pele grossa, poder doer e ser mais protuberante, invadindo a área de tecido normal.
10. Quais as características de uma cicatriz atrófica?
Como essa cicatriz surge por consequência da perda das estruturas que dão firmeza e apoio à pele, como a gordura e o músculo, ela provoca uma depressão, uma atrofia na região.
11. Qual a importância do profissional saber identificar os diferentes tipos de cicatriz?
Cada cicatriz exige um tratamento. E, segundo a professora Mariana Negrão, saber identificar cada marca, as alterações de sua espessura e as diferentes colorações dá ao profissional mais autonomia para escolher os recursos e parâmetros mais adequados, além do que pode ou não ser feito e entender por quais etapas esse tecido vai passar até estar recuperado.
12. Quais outras técnicas podem ser usadas no tratamento das cicatrizes?
Há inúmeras opções de cuidados, que, como já foi dito, são escolhidos e combinados conforme cada caso específico. Entre os procedimentos mais utilizados atualmente estão massagem desfibrosante, eletroterapia, peeling, cosméticos, inclusive os ozonizados, microagulhamento, por vezes associados ao drug delivery, taping, drenagem linfática, vacuoterapia, acupuntura, infiltração de corticóides e tecnologias, como radiofrequência, laser e ultrassom, além de nutracêuticos e fitoterápicos com ação regeneradora.
13. O clareamento pode fazer parte do tratamento da cicatriz?
Sim, deve, quando a cicatriz também tem alteração de cor em relação ao tom natural da pele, o que faz com que a marca passe a ser classificada como hipercrômica. Por vezes, a solução está em um peeling, entre eles o mandélico ou o glicólico. “Vale ressaltar que o clareamento só pode ser iniciado um mês depois da cirurgia”, avisa a professora Vilma Natividade.
14. O que pode influenciar no resultado final de uma cicatriz?
“Há muitos fatores. Por exemplo, a genética, o cigarro, a exposição solar, a profundidade da derme afetada, as condições clínicas do paciente, como idade, presença de diabetes, nutrição inadequada, infecção no local… Por isso o trabalho em conjunto com profissionais de diferentes áreas permite um tratamento mais adequado, específico e personalizado para cada caso”, avisa a cirurgiã plástica Beatriz Lassance.
15. Diante de tanta tecnologia e procedimentos eficazes para tratar as cicatrizes, a hidratação também tem vez no protocolo de cuidados?
Ela é fundamental! “Estudos apontam que o simples ato de hidratar a pele ajuda a melhorar e acelerar o resultado final”, afirma a doutora Beatriz Lassance. Há excelentes hidrantes que podem auxiliar nesse processo, entre eles os enriquecidos com vitamina E, ácido hialurônico, ceramidas e óleo de semente de girassol.
16. Qual o papel da fotoproteção no tratamento da cicatriz?
O uso do protetor solar na região da cicatriz é essencial. “Enquanto há atividade inflamatória, os melanócitos que produzem o pigmento da pele ficam mais ativos e podem funcionar mais que o desejado. Por isso é importante não os estimular ainda mais deixando a pele exposta ao sol”, explica a cirurgião plástica Beatriz Lassance.
17. Como as pomadas cicatrizantes são utilizadas?
Elas são prescritas pelo médico de acordo com a fase da cicatriz. “Inicialmente, devem ser aplicadas pomadas com corticóides ou antibióticos, para evitar que as cicatrizes fiquem altas e infectem. Depois, são recomendadas pomadas à base de silicone, para prevenir a hipertrofia cutânea. Após a cicatrização as pomadas já não funcionam mais”, adverte o dermatologista Abdo Salomão Júnior, de Guaxupé (MG).
18. Cicatrizes grandes, como a de abdominoplastica, têm jeito?
Tem! “Atendi uma paciente que fez cirurgia bariátrica, emagreceu muito e, depois, fez abdominoplastica para eliminar o excesso de pele na barriga. Ela estava tão feliz que acabou me procurando para ver se podia fazer algo pra amenizar a cicatriz que ficou na barriga. Esse tipo de marca não é fácil de apagar, porque ela geralmente é grande, indo de uma lateral à outra do abdômen, na horizontal. Mas, como a paciente veio assim que o plástico a liberou, três meses depois da operação, combinei CO2 fracionado com aplicação de ácidos em casa. O resultado foi excelente e a marca ficou praticamente imperceptível”, conta a dermatologista Tatiana Mattar, de São Paulo.
19. E quando a cesárea é grande e tem queloides?
“Meus dois filhos nasceram grandes, por isso minha cicatriz de cesárea tinha quelóides e era bem feia. Depois de fazer CO2 com infiltração de corticóide ela ficou tão discreta que precisei apontar para o meu namorado porque ele não conseguia enxergar o risquinho que ficou”, comemora a dermatologista Tatiana Mattar, que ressalta que para alcançar esses resultados é preciso ter paciência, porque eles não aparecem rápido.
20. Tanto se fala de infiltração de corticóide, mas muita gente tem medo da técnica; por quê?
“A injeção de corticoide é superindicada para cicatrizes hipertróficas e queloidianas. Porém, ela deve ser realizada por um profissional experiente para que não haja o efeito atrófico em exagero, deixando atrofiada a cicatriz que antes era hipertrofiada”, alerta a dermatologista Paola Pomerantzeff, de São Paulo.
21. Quais as vantagens de utilizar cosméticos ozonizados nos protocolos de cicatrizes?
Antes de tudo vale esclarecer que para ser classificado como ozonizado o produto precisa ser formulado com uma matéria-prima ozonizada, ou seja, com um óleo vegetal ozonizado. De acordo com a farmacêutica Raquel Bertoluci, de São Paulo, esse tipo de cosmético favorece importantes processos para a cicatrização, já que tem potencial anti-séptico, ajudando a evitar contaminação; e atua como regenerador de tecidos, acelerando a recuperação da pele.
22. Preenchimento com ácido hialurônico é uma possível solução para cicatrizes? De que tipo?
A Sociedade Brasileira de Dermatologia recomenda a aplicação injetável de ácido hialurônico no caso de cicatrizes deprimidas, com o objetivo de deixar a pele mais uniforme.
23. Qual o benefício de apostar no microagulhamento com drug delivery para tratar cicatrizes de acne?
A dermatologista Tatiana Mattar explica que no microagulhamento é possível combinar o uso de ativos que estimulam o colágeno, clareadores e antioxidantes para melhorar cicatrizes, clareá-las e rejuvenescer a pele, tudo ao mesmo tempo!
24. Há outras opções para tratar marcas deixadas pela acne?
A médica afirma que as cicatrizes acneicas também respondem super bem ao laser, a subcisão, ao bioestimulador de colágeno e até mesmo ao peeling superficial de ácido retinóico. “Mas, para escolher a melhor opção para cada caso, é preciso avaliar as condições das cicatrizes e verificar com a paciente qual a opção que tem melhor custo-benefício para ela. Até porque a subcisão e o laser exigem ficar longe do sol por pelo menos um mês, o peeling por 15 dias e o bioestimulador, por uma semana”, pondera.
25. Dá para reparar cicatrizes deixadas pela retirada de câncer de pele?
“Por ter pele clara e uma infância marcada pela exposição excessiva ao sol, tenho um amigo que já teve vários carcinomas basocelulares, que é o tipo mais comum de câncer de pele. Para ter ideia, ele já removeu lesões do tórax, do rosto, perto da sobrancelha e até no nariz. Quem passa por esse tipo de situação acaba, como ele, ficando com cicatrizes alargadas e inestéticas, mas que têm uma melhora incrível com o CO2 fracionado. Isso porque o laser estimula o colágeno, melhorando bem a flacidez e deixando a pele mais esticada, como se nada tivesse acontecido”, garante a dermatologista Tatiana Mattar.