Espelho, espelho meu

Preocupação excessiva com a aparência, distorção de imagem, medo do próprio reflexo: precisamos falar sobre dismorfia corporal – e como proceder quando receber clientes com esse quadro

Karina Hollo (@karinahollo)

Vivemos um tempo em que a preocupação excessiva com a aparência atinge níveis alarmantes. Com a ditadura das redes sociais, o maior uso de telas e câmeras, as pessoas desejam, desesperadamente, se enquadrar nos padrões. Primeiro, usando os filtros (que proporcionam um rosto quase perto do sonhado). Depois, querem que essa imagem se torne realidade. E, então, procuram os procedimentos estéticos. “Com as redes sociais, a busca por um corpo perfeito, aquela beleza de ‘filtro’, é cada vez maior”, diz a cirurgiã plástica Dra. Thamy Motoki, de São Paulo, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. E isso pode influenciar, negativamente, na percepção da imagem corporal. As pessoas se comparam mais com as outras, e querem parecer impecáveis tanto nas redes, quanto na vida real. “Os filtros e a ‘vida perfeita de Instagram’ prejudicam muito a autoestima. Eu parei de usar filtro por conta disso, para mostrar para minhas pacientes que tenho manchas, imperfeições e gordurinhas”, observa Gabriela Vargas Paladino, fisioterapeuta dermatofuncional da Clínica Giovana Moraes, em São Paulo.

O problema é que essa busca infinita pela aparência perfeita pode se transformar em um transtorno psicológico, paralisando de modo grave a vida do indivíduo. É quando a pessoa passa a se incomodar, de forma desproporcional, com algo em sua aparência. Seja uma manchinha aqui, uma marca de expressão ali, o nariz, a orelha, a perna mais ou menos grossa.

Só que muitas vezes esses “defeitos” visualizados nem sempre estão, de fato, ali, ou são supervalorizados. A pessoa então passa a se olhar obsessivamente no espelho, ou então foge dele. E tenta escapar da vida social, do convívio com as pessoas, acreditando que está feia e desencaixada do padrão.

Quando isso acontece é bem provável que esteja ocorrendo um quadro de Dismorfia Corporal. O quadro faz com que a pessoa enxergue defeitos onde não existem ou maximize detalhes da própria aparência. “Essas imperfeições podem ser até mesmo imaginárias, fazendo com que o paciente busque constantemente corrigir algo que não é real”, alerta o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica-RJ, André Maranhão. Esse cenário pode estar associado à forte influência do uso dos filtros das redes sociais. 

Acredita-se que hoje em dia o problema atinja cerca de 4 milhões de pessoas só aqui no Brasil – e até 2% da população mundial. “É importante ressaltar que 2,5% das brasileiras acreditam ter defeitos e nas mulheres a dismorfia corporal se apresenta entre 18 e 30 anos, embora possa se manter também até os 60. O público masculino também não fica atrás, com 2,2% de brasileiros com o distúrbio, na faixa entre os 18 e 21 anos. Porém, pode-se dizer que existe uma queda progressiva à medida do envelhecimento”, analisa André.

“A dismorfia corporal é um transtorno psicológico que resulta em um impacto muito negativo para autoestima, além de afetar a vida no trabalho, nos estudos e no convívio em geral com outras pessoas”, pontua Thamy.

A médica conta que já recebeu em seu consultório muitos pacientes com esse transtorno – e o que eles querem é corrigir, com cirurgias, um problema que nem existe e está apenas no imaginário. “A abordagem, nesses casos, não é simples. O próprio paciente não tem noção do seu problema e necessita um olhar cuidadoso, alguém que o ouça e acolha adequadamente. Tento mostrar de forma técnica que não há problema, de fato, com o corpo. Ou então que pode estar havendo uma supervalorização de um pequeno problema”, explica Thamy. “É preciso ter bom senso para indicar um procedimento cirúrgico e, também para declinar um pedido.”

Reclamação em relação a nariz, abdômen, coxas, braços…

A dismorfia corporal tende a surgir na época da adolescência e afeta, em sua grande maioria, as mulheres, que sofrem uma cobrança estética maior. “Nas mulheres, as reclamações mais comuns são na face, no nariz, na pele e nos cabelos. Já no corpo, a dismorfia corporal aparece nos seios, nos quadris, nas pernas e nas nádegas. Nos homens, o distúrbio se apresenta nos órgãos genitais, cabelo e nos músculos. E nos dois, também podemos listar o peso e o abdômen”, fala André. 

A busca pelos tratamentos estéticos pode se tornar um problema quando a pessoa fica constantemente associando que precisa fazer um procedimento para que se sinta bem. “E mesmo após fazer o procedimento, sempre acha que precisa fazer mais alguma coisa, criando um ciclo de insatisfação que pode gerar problemas de saúde e financeiros”, alerta a psiquiatra.

O diagnóstico nem sempre é imediato. Mas ao longo das consultas, ele pode se revelar em queixas repetidas direcionadas à determinada área do corpo, insatisfação permanente com aquela região, ainda que não haja um problema anatômico/estrutural/funcional importante. “O paciente nitidamente ansioso e relacionando seus problemas àquela tal ‘imperfeição’, ou que tenta atingir determinado padrão de beleza estipulado como ideal, pode estar sofrendo de dismorfia. Além disso, quem apresenta esse quadro, também relata evitar convívio social (como ir à praia ou piscina, por exemplo), tem dificuldade de concentração e olha-se no espelho com frequência, ou chega a evitar por completo ver sua imagem refletida ali”, explica a médica.

Apesar de ser ainda pouco abordada, a dismorfia corporal é um problema sério, que precisa ser diagnosticado e tratado antes que gere consequências e traumas ainda piores, inclusive cirurgias arriscadas e sem necessidade alguma. “Evite comparações com outras pessoas e procure ajuda especializada de psicólogo e psiquiatra”, orienta a cirurgiã.

Corpo sem vergonha

A proximidade do verão intensifica a vontade de muitas mulheres esconderem o seu físico. É comum que no período que antecede a estação, a maioria seja bombardeada com imagens de corpos magros usando biquínis, venda de dietas milagrosas e exercícios que prometem mudar sua aparência física. E, verdade seja dita, até quem tem um corpo considerado padrão, acredita que deve perder o famoso “dois quilinhos”. “No entanto, é preciso entender que não existem mudanças feitas do dia para a noite, elas são sempre gradativas e construídas dentro da sua constituição física. É fácil ser seduzida por tratamentos com foco em resultado. Pessoas vulneráveis são mais suscetíveis a acreditar nessas promessas, já que buscam uma resposta rápida”, fala a psiquiatra Maria Francisca Mauro.

A busca do ideal

Sabe-se que é muito tentador se comparar e achar que um determinado corpo pode ser o ideal. “Para além daquilo que você considera perfeito, é importante se atentar ao que você tem e à sua saúde. O físico não pode ser atravessado pelo ódio, mas pelo amor-próprio”, comenta a psiquiatra. “Quando se tem vergonha da própria condição física, não adianta perder peso ou participar da próxima chamada da internet para um programa milagroso. A pessoa precisa se localizar dentro dela e de suas necessidades, pois pode ser que aquilo encubra outras fragilidades emocionais”, diz a médica.

Como acolher a cliente

“Precisamos sempre alinhar muito bem a expectativa, porque mesmo com resultados bons, a paciente fica frustrada achando que teria que melhorar mais”, fala Gabi, dando uma dica. “Acho importante ser boa ouvinte: acredito que o paciente precisar ser ouvido em primeiro lugar. E se for o caso, orientar para um acompanhamento psicológico. E como o tema é um tabu para alguns, tomamos muito cuidado, pedindo apoio inclusive com nossa equipe médica.”

O que estamos observando, em termos de fenômeno social, é uma maior necessidade das pessoas de seguir um modelo de rosto e de corpo, principalmente pela divulgação da imagem. “Nas com níveis maiores de insatisfação e perfeccionismo, há uma cobrança para realizar diversos procedimentos estéticos e intervenções cirúrgicas. Por isso, é essencial que os médicos e esteticistas fiquem atentos aos pacientes que realizam os procedimentos de forma repetida e mesmo assim não ficam satisfeitos – buscam resolução de algum desconforto emocional via procedimentos estéticos”, diz a psiquiatra. “É preciso entender que a beleza física, o bem-estar e a saúde mental precisam andar juntos. O maior bem do ser humano é a sua saúde mental, sem ela nada é possível”, complementa André.

BOX 1

Menos comparação

A médica entende que a melhor forma de trabalhar a autoestima é não se comparar. “Ajude a pessoa a dar atenção às qualidades que possui, as características que fazem todos a reconhecerem. Suas medidas não serão a partir da balança ou de determinada roupa que não coube”, assegura. O caminho está traçado: “Reflect” (“Reflexo”, em português) é o novo curta-metragem do Disney+ que fala sobre autoestima, dismorfia corporal e tem a personagem principal gorda. A produção recém-lançada e muito comentada traz Bianca, uma bailarina que luta contra seu próprio reflexo, superando a dúvida e o medo, canalizando sua força interior.

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Movimento Corpo Livre

O Body Positive surgiu nos Estados Unidos, em 1967, e se fortaleceu no Brasil. A ideia é ajudar as mulheres a aceitarem seus corpos como são, tendo um olhar mais afetuoso. “Ele nos leva a questionar a existência de um padrão. A importância destes movimentos é criar um diálogo que contrapõe alguns pontos antes dados e validados como se fossem certos. Eles criam paradigmas para que as pessoas questionem. A melhor forma de ignorar olhares julgadores é aprender que nenhum vai dar dimensão do que você realmente é”, explica a psiquiatra. Por isso, é importante termos influenciadores com corpos maiores nos meios digitais.  “Isso naturaliza o físico, reforçando que ele pode sim sentir prazer, circulando à vontade”, pontua.

BOX 3

Aposta na realidade

Em tempos digitais, na contrapartida das “vidas e aparências perfeitas”, conseguidas, na sua maioria, com retoques e muito, muito filtro, floresce a rede BE REAL. Nela, só entram fotos REALMENTE verdadeiras. Verdadeiro oásis nas redes sociais, não à toa tem feito sucesso. Vale a pena dar uma olhada.

FRASES

“Os filtros e a ‘vida perfeita de Instagram’ prejudicam muito a autoestima. Eu parei de usar filtro por conta disso, para mostrar para minhas pacientes que tenho manchas, imperfeições e gordurinhas”

Gabriela Vargas Paladino, fisioterapeuta dermatofuncional 

 “É importante ressaltar que 2,5% das brasileiras acreditam ter defeitos e nas mulheres a dismorfia corporal se apresenta entre 18 e 30 anos, embora possa se manter também até os 60. O público masculino também não fica atrás, com 2,2% de brasileiros com o distúrbio, na faixa entre os 18 e 21 anos”

André Maranhão, cirurgião plástico e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica-RJ

“Quando se tem vergonha da própria condição física, não adianta perder peso ou participar da próxima chamada da internet para um programa milagroso. A pessoa precisa se localizar dentro dela e de suas necessidades, pois pode ser que aquilo encubra outras fragilidades emocionais”

Maria Francisca Mauro, psiquiatra

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